quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pesquisa revela quem é o brasileiro a partir de seus valores

Pesquisa Marcondes Valores Brasil – 2010, inédita no País e realizada em outros 13 países, revela quais são os valores dos brasileiros, quais eles percebem no país hoje e quais são importantes para eles no futuro. O estudo permite traçar um paralelo dos valores percebidos na sociedade e os praticados nas empresas. “Organizações e pessoas buscam talentos e ambientes de trabalho em sintonia com seus valores”, diz Caio Brisolla, diretor executivo da Marcondes Consultoria.


O estudo foi desenvolvido com base numa metodologia consagrada mundialmente, o Modelo dos Sete Níveis de Consciência, de autoria de Richard Barrett, consultor e pesquisador britânico. Dentro deste Modelo, Barrett distribui os valores em sete categorias (níveis de consciência), voltadas para o interesse próprio, à transformação e ao bem comum.

Principais resultados


Em relação aos valores pessoais, os mais ressaltados se relacionam com a imagem do brasileiro como indivíduo “gregário”, amigável, honesto, alegre e humilde, que tem consideração pelos outros e procura contato próximo com as pessoas. Além disso, gosta de compartilhar alegria em suas interações, possui uma natureza modesta e esperança no que o futuro lhe reserva. Também valoriza princípios elevados como honestidade e justiça.

De modo geral, se mostrou bem crítico em relação aos valores presentes na sociedade, dando ênfase aos problemas que o afligem no dia-a-dia, tais como corrupção, violência, pobreza e desemprego.

Sobre o futuro, ele visualiza um País capaz de resolver suas principais questões estruturais ou de satisfação das necessidades básicas, relacionadas à redução da pobreza, criação de empregos, garantia de moradia e cuidados com a saúde. Ele também projeta condições para o desenvolvimento de uma cultura sustentável e o exercício de um papel mais amplo num mundo em que haja mais paz e justiça.

Mas a pesquisa mostra que há um traço muito forte de baixa estima, que aliada a pouca incidência de valores voltados para a ação e protagonismo, indica que o brasileiro apresenta um perfil de valores que dificulta a construção de uma solução coletiva para as questões mais importantes. “Fica muito claro ao olharmos para os resultados que o brasileiro tem consciência dos problemas, mas não tem a iniciativa para resolvê-los. Ao contrário, prefere delegar esta tarefa para “o outro”, diz Brisolla.

Na opinião de Odino Marcondes, sócio-diretor da Marcondes Consultoria, a pesquisa demonstra que os valores sociais têm impacto direto nas empresas. “Quando as organizações melhoram sua forma de se relacionar com a sociedade, isso conduz a uma mudança cultural muito benéfica. Em sentido inverso, valores que chamamos de limitantes interferem negativamente. É o caso da corrupção, que na pesquisa mostra ser um dos principais entraves do País. analisa Marcondes.

Um recorte da Geração Y

A Pesquisa Marcondes Valores Brasil – 2010 também traz diferentes retratos dos valores dos brasileiros estratificados por renda, sexo e nível de escolaridade. Um deles é a Geração Y. De acordo com o trabalho, este grupo de pessoas busca valores relacionados ao bem comum e à transformação, deseja significado em suas vidas e valorização de princípios elevados, tais como ética, humildade, honestidade, justiça. Por outro lado, valorizam a saúde e os relacionamentos; respeitam e querem ser respeitados pela competência; valorizam a independência, a iniciativa e a coragem. E mais: estão dispostos a correr riscos, porém, com responsabilidade e conhecimento.

Os brasileiros da Geração Y valorizam a honestidade, a confiança e a justiça nas relações. Entendem e apreciam a importância da generosidade e estão dispostos a ajudar. O trabalho ressalta que esses brasileiros possuem valores de uma cultura de alto desempenho, são abertos e valorizam relacionamentos verdadeiros, querem aprender, evoluir, buscam significado e pensam na comunidade.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Nova edição da Organicom destaca ouvidoria e comunicação

A nova edição da Organicom traz uma espécie de dossiê dos temas ouvidoria e comunicação. O lançamento da revista será no próximo dia 06 de dezembro, em evento na ABERJE.

Deverão aparecer por lá Antônio Rito, ouvidor do Ipea, que fará a palestra “Comunicação e libertação: aproximando a ouvidoria do cidadão”, além da equipe editorial da revista que tem como diretora a Professora Margarida Maria Krohling Kunsch.

A revista trará depoimentos, pesquisas, resenhas e uma entrevista. O material é rico e essencial para aqueles que desejam encontrar abordagens consistentes e variadas, enriquecendo o conhecimento tanto de professores e estudantes, como de profissionais da comunicação.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Investidores salvam mais um jornal

Desta vez, é o grupo espanhol Prisa, que controla o jornal El País, que recebeu o investimento de 900 milhões de euros. Agora, os donos do diário terão participação reduzida para 30% das ações. O investimento foi feito pelos empresários Nicolas Berggruen e Martin Franklin - os mesmos que já tinham comprado parte do francês Le Monde.


A imprensa tem perdido a sua força e influenciado cada vez menos. Teorias como a da Agenda Setting estão sendo desconstruídas. Pergunte a um jovem se ele teve a oportunidade de ler as revistas semanais ou um dos grandes jornais do país. Provavelmente, receberá um não como resposta. Mas questione o mesmo indivíduo se ele já publicou algo no Twitter ou atualizou seu Facebook. Provavelmente, já.

É a redistribuição e realocação dos poderes de derretimento. São as novas faces do mundo reveladas pela pós-modernidade.O derretimento dos sólidos, a desconstrução das convenções sociais estabelecidas do passado - éticas e morais - e a proposta de criação de uma nova ordem. Nem um molde está sendo quebrado sem que seja substituído por outro.






sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Lula e o Bolsa Família. O bem-estar de muitos

O presidente Lula vive uma condição privilegiada. Ele é protagonista tanto lá fora como por aqui em terras tupiniquins. Aliás, a grande maioria da sociedade brasileira o aprova. Nunca na história desse país, um governante teve uma popularidade tão alta. Segundo a CNI/Ibope, seu governo é considerado ótimo ou bom por 77% dos brasileiros. Ele é mais bem avaliado na região Nordeste, com 83%, e a menor aprovação vem do Sul, onde ele tem 71%.

Ele parece ser o cara! Mas a explicação dessa popularidade não está no fato de ele pertencer a uma das mais populares torcidas do país, a do Corinthians. Ela pode estar no Bolsa Família, principal programa de transferência de renda, que atende a 12 milhões de famílias. Isso que dizer que cerca de 60 milhões de pessoas no Brasil se beneficiam diretamente dessa iniciativa, que já foi legitimada pela população.
Julgando o fato pelos princípios de Bentham podemos dizer que os brasileiros estão aprovando o Lula, porque o Bolsa Família está aumentando a felicidade de um maior número. As ações são julgadas certas, neste caso, pela virtude de suas conseqüências. Mais gente está consumindo e comendo! A única conseqüência que permite atribuir à iniciativa que lhe ensejou um valor positivo é a quantidade de bem-estar que dela decorre. O bom efeito não está no êxito do Lula, mas na alegria de milhões de brasileiros.

Esse consequencialismo, baseado na felicidade do maior número, reflete uma moral finalista. Se recorrêssemos a Maquiavel, poderíamos dizer que o Bolsa Família não vale por ele mesmo, mas pelos seus efeitos e pele felicidade do agente, ou seja, do Lula. O efeito bom para qualquer ação é permitir a quem age, no caso o presidente, obter o que pretendia.

Portanto, Lula agiu bem porque determinou um efeito coincidente com o que pretendia quando lançou o Bolsa Família, se julgarmos que ele desejava poder político, reconhecimento e legitimidade. Agiu bem porque se deu bem, porque conseguiu o que queria. E como Lula se deu bem! Como nunca, acho. Para completar sua potência, falta um título no ano do Centenário do Corinthians. É isso!


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Quando Tiririca é legião

O "caso Tiririca", fartamente discutido na mídia e em rodas de opinião, merece alguma reflexão, não apenas quanto à bizarrice dos comportamentos eleitorais, mas também sobre como raciocinam as elites, repercutidas em última análise pelo senso comum e pela imprensa.
Para começar, um comentário que nos aconteceu fazer em resposta à demanda de um repórter (O Globo, 26/9). É de hábito, nesse tipo de abordagem telefônica, que o entrevistado fale muito, na expectativa de uma plena explicação impressa do que disse. O publicado foi apenas uma pílula explicativa, mas fiel em sua curteza: aventamos a hipótese de um ativo lado estético nessa manifestação de preferência política chamada voto.

A rigor, o fenômeno estético começa desde as táticas propagandísticas dos candidatos a postos eletivos, na medida em que legitimam o seu pleito por marketing ou por interpelações afetivas. Nos dois casos se aciona o emprego racionalista do afeto por meio da retórica, isto é, pela arte da expressão e da persuasão empregada como técnica política, graças a seus efeitos de instrumentalização e controle dos discursos. A retórica serve para convencer, no sentido racionalista do termo, e para agradar ou adular, o que dá a medida de seu escopo afetivo ou irracional. Em linhas gerais, serve para comunicar ideias e emoções, produzindo sensações.

Baixaria e trivialidade

A retórica e, portanto, a estética, sempre esteve presente no âmago do fenômeno político, embora em graus diversos de intensidade. Não raro, a distância temporal permite-nos ver que usuários da retórica política no passado, tidos como sujeitos de "extraordinários" dotes oratórios, parecem-nos hoje simplesmente grotescos. Hitler, por exemplo: nada de realmente excepcional em seus discursos, hoje analisados em filmes e gravações, exceto o fato de que o orador constituía uma espécie de "canal sinergético" para as massas alemãs ávidas por um líder que as resgatasse das históricas humilhações militares e econômicas. Ao modo de um pregador religioso fanático, o führer dizia o que a multidão queria escutar.

Ou então, ao modo (soft) da mídia. É justamente um filósofo alemão, Peter Sloterdijk, quem enxerga na identificação do público alemão com o führer algo semelhante à da audiência com a sua mídia, a tal ponto que um termo entra em curto-circuito com o outro, bloqueando quaisquer funções críticas. Diz ele: "O segredo do führer de antes e dos astros de hoje consiste no fato de que são semelhantes a seus mais apáticos admiradores. (...) Ele possuía, quando desejava, a ordem imperativa da baixaria. Não entrou em campo em função de algo extraordinário, e sim, por sua inequívoca grossura e pela manifestação de sua trivialidade."

É óbvio que a conjuntura histórica da Alemanha hitlerista não tem nada a ver com o funcionamento das tecno-democracias de hoje, seja na Europa ou nas Américas, mesmo nos casos de conhecidas tentações caudilhescas. Mas a baixaria e a trivialidade continuam exercendo papéis centrais na semiose (processo geral de comunicação) midiática, assim como em outros processos de multidão acionados pela retórica, como acontece em campanhas eleitorais.

O desvio da normalização político-eleitoral

Faz-se cada vez mais presente o grotesco, entendido como categoria estética que dá conta do riso nos fenômenos de fronteira entre o que consensualmente se define como o "normalizado" e o desregramento civilizatório, ou então entre o humano e inumano. Ao repórter do Globo, referimo-nos à oposição entre a estética "da cintura para cima" – que caracteriza os comportamentos normalizados e potencialmente sublimes – e a estética "da cintura para baixo", relativa ao humus da terra, portanto, ao humilde, ao popularesco ou ao que se presta ao fácil entendimento.

A principal figura de retórica pertinente a essa estética é o bathos, que implica o rebaixamento de uma estrutura qualquer com vistas à sua maior comunicabilidade. Não se trata de um preconceito culturalista, como se a "alta cultura" estivesse olhando de cima para baixo a cultura popular. O rebaixamento é a figura retórica da facilitação. Cujo exagero constituiu um recurso importante na formação do público de massa da televisão brasileira e continua a funcionar, aqui e no exterior, como fator de aglutinação de audiências. Um público enorme é inequivocamente parceiro desse bathos de duvidosas intenções.

Mas há uma grande dose de hipocrisia no interesse da mídia e de grandes frações de público pela figura do candidato Tiririca. Em princípio, o riso contrafeito resultaria dos tiques grotescos do personagem detectáveis em atitudes e frases (do tipo "Tiririca, pior do que está não fica"). O riso dos "cultos" seria uma espécie de auto-vacina contra o presumido desvio da normalização político-eleitoral.

O riso do grotesco

O grotesco é quase sempre, porém, um "arranhão" na crosta dos protocolos sociais, é uma visão incômoda do abismo das aparências superficiais. De fato, pode ser muito incômodo tomar consciência de que, em zonas de sombra do que vimos chamando de "espaço público", o máximo de "democracia" pode ser aquilatado pelo mínimo de qualificação humana, como tem demonstrado o Big Brother Brasil: o indivíduo sem nenhuma qualidade social é a estrela do show, é como se a palavra boçalidade precisasse de três "bês" (BBB) para ser grafada.

Não raro, a poesia expõe esse tipo de incômodo melhor do que a prosa de argumentos, a exemplo do excelente poeta mineiro Ricardo Aleixo, que indaga: "O que faz de um humano, humano? (...) Os sonhos dos políticos são da mesma matéria de que são feitos os sonhos dos humanos?"

Por isso se observa uma difusa tensão, nada engraçada, decorrente da suspeita, não claramente enunciada, de que se possam contar às centenas os casos tipificados como "grotescos" no panorama eleitoral. Age-se como se Tiririca fosse único, como se fosse um grande "outro". No entanto, à frente (na televisão), nos lados (nos cartazes de rua), no corpo-a-corpo de candidatos, o grotesco espreita, apenas travestido de uma retórica escolarizada, com sujeito, verbo e predicado – equivalentes gramaticais do paletó e gravata.

Aqui, com todo o rigor desse traje, o cara-de-pau ainda embaraçado nas malhas da Justiça anuncia-se como "ficha limpa"; ali, o candidato a deputado expõe o seu programa: "Nós é jeca, mas é jóia"; acolá, a candidata ao governo se atrapalha: "Temos que defender essa corrupção".

O riso do grotesco é sempre nervoso. O risco é nos darmos conta, como agora, de que Tiririca é legião.

Texto de Muniz Sodre, publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Opinião pública ainda existe?

Interessante provocação levantada pelo jornal O Globo, em  29/9/2010. Temos um processo de desconstrução de conceitos importantes e da própria teoria da Agenda Setting. O primeiro teexto é de Arnaldo Bloch.

Jornais, TVs, redes sociais, estado, Deus, urnas corporações: de quem é, hoje, a voz do povo?"Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a Opinião Pública" – disse o presidente Lula, dias atrás, num arroubo contra a imprensa, em meio ao último escândalo pré-eleitoral. "Nós quem, cara pálida?", opinou, na rede, no ar e no papel, uma parcela da sociedade. Dias depois, Lula já estava de novo exaltando a liberdade de expressão como coisa mais importante do mundo, numa dinâmica que vem se repetindo.

O fato é que o presidente tocou num tema relevante: se ela existe, em que se transformou a Opinião Pública numa era em que os jornais e as TVs, como fontes de informação relevante, se cruzam, no mesmo espaço, com o entretenimento, as redes sociais, instituições, corporações e vozes independentes de blogs, sites e indivíduos online? Que papel tem a educação do público nesta equação? Nas colunas de papel que se seguem, cinco nomes de primeira ordem no jornalismo e no pensamento das comunicações dão as suas opiniões e divergem sobre o assunto. Aos leitores, a escolha de ler e formar (ou não) a sua.

Discutível, como deve ser

A opinião pública é de um duplo sentido: quer no momento de sua formação, uma vez que não é privada e nasce do debate público, quer no seu objeto, a coisa pública. Como "opinião", é sempre discutível, muda com o tempo e permite a discordância: na verdade, ela expressa mais juízos de valor do que juízos de fato, próprios da ciência e dos entendidos.(...) A opinião pública não coincide com a verdade, precisamente por ser opinião. (Dicionário de Política, Norberto Bobbio)

O problema é de quem escreve

Alberto Dines

Nada mudou, a opinião pública não é uma entidade distinta, esotérica, antropomórfica, cheia de caprichos. Opinião pública é a sociedade que se manifesta. O conjunto que se comunica. Isto vale para todos os tempos, desde o momento em que o homem aprendeu a conviver – alguns querem saber mais e, sentindo que sabem mais, abrem-se à compulsão de se manifestar. São os tais formadores de opinião: comadres, fofoqueiros, falastrões, escribas, párias, imortais ou que nome tenham. Todos são formadores de opinião, os propriamente ditos e os por eles formados, o processo é contínuo, em duas mãos e inúmeras camadas.

A sociedade digital, "conectada", manteve a mesma estrutura básica. As chamadas "redes sociais" não fazem grande diferença porque dentro delas existem os mesmos núcleos e funciona o mesmo sistema. Alguns fazem-se ouvir mais, por diferentes razões, geralmente porque o que dizem, naquele momento, soa verdadeiro. Nosso problema hoje é outro: neste Fla-Flu eleitorial só se presta atenção aos títulos, ninguém quer saber de texto, contexto, hipertexto. Problema de quem escreve.

O espaço público foi para o espaço

Muniz Sodré

Há uma corrente de sociólogos que diz que a Opinião Pública não existe. Seria um objeto que depende de um corpo fechado de avaliadores. Jornalistas, especialistas, líderes de opinião, empresários. É, de fato, um discurso de enunciados presumidamente coerentes, homogêneos, "de consenso", extraídos da voz do espaço público.

Isso é algo ilusório. O espaço público existiu, sim, com força, nos séculos 18 e 19 em vários países da Europa e até no Brasil, onde o movimento abolicionista contou com o apoio de uma imprensa que talvez tenha sido a mais livre, com gente da categoria de Rui Barbosa e José do Patrocínio. Formadores, ou "Instrutores públicos", como diria Nietzsche.

O que foi acontecendo? Esse espaço foi se culturalizando, atravessado pelo entretenimento e pela cultura de massa. Ampliou-se, sem dúvida, mas perdeu a força política.

Porém, com o advento os meios digitais, redes sociais, a ideia do espaço público foi de vez para "o espaço" e ganhou uma reinterpretação privada.

Às vezes tem eficácia consensual, como nos casos da mobilização por Obama, da Ficha Limpa, ou o pessoal que se opõe em Davos. Mas na prática do dia a dia isso tem menos a ver com Opinião Pública.

É possível, mesmo, que as televisões e os jornais não tenham influência sobre esse espaço da rede. As pessoas que frequentam esta praça estão mais interessadas na blitz da lei seca, no passeio de bicicleta, do que em política.

Das praças gregas ao tribalismo

Antonio Rogério da Silva

A ideia de "opinião pública" é típica das sociedades modernas, onde a formação de grupos de interesses e a possibilidade de divulgação de suas posições se tornaram viáveis graças à existência dos meios de comunicação.

Entre os antigos helenos, que não possuíam outro meio além de fala e escrita em tabuinhas de cera, o espaço da "opinião pública" se restringia à "ágora" – praça principal das antigas cidades gregas – e às assembléias para votação de uma lei ou a determinação de uma pena jurídica. Poucos tinham direito a participar. Só os cidadãos masculinos livres podiam expressar sua opinião. A formação de grupos capazes de influenciar a maioria – sofistas, filósofos, famílias influentes etc. – levou algum tempo para ocorrer e, quando se deu, o regime da cidade autônoma (polis) já estava em decadência.

Nesse sentido, o fenômeno da opinião pública é uma característica dos estados modernos.

Por ser "opinião" (doxa) e não um conhecimento (episteme) consolidado, e "pública" ao invés de privada, seu conteúdo está sujeito a mudanças que acontecem com anúncio de novas informações relevantes e, devido à mobilidade social, com a momentânea filiação de um indivíduo a um grupo. Em casa, cada um pode ter uma posição que seja diferente da que tem no trabalho, no clube ou entre amigos.

Ao longo do tempo, a democratização dos meios de comunicação – sobretudo depois da Internet – permitiu que novas instituições e associações tivessem a sua opinião divulgada a um número maior de pessoas. Nas democracias, as livre expressão desses grupos permite também um esclarecimento rápido das falsas proposições, o que proporciona um enriquecimento do debate, em geral.

Entretanto, quando partidos políticos que alcançam o poder tentam impor suas opiniões como sendo a de todo uma população, com base em proclamados índices de popularidade, então a democracia corre riscos históricos de se transformar em demagogia, possibilitando o domínio dos "aduladores do povo" – como dizia Aristóteles – que tentam fazer valer seus interesses mesquinhos como se fossem de todos.

Textos reproduzidos no Observatório da Imprensa.

Uma empresa pode interferir na aparência de um funcionário?

Há poucas semanas, o Bradesco foi condenado, pela 7ª Vara do Trabalho de Salvador, a pagar R$ 100 mil de indenização por dano moral coletivo, por discriminação estética. O banco proíbe que os seus funcionários usem barba. Segundo a sentença, a proibição constitui “conduta patronal que viola inequivocamente o direito fundamental à liberdade de dispor e construir a sua própria imagem em sua vida privada”. O banco foi procurado pela reportagem do Canal Rh, mas preferiu não se pronunciar.

A ação do Bradesco levanta diversos questionamentos. O primeiro deles é: Será que a atitude tomada pela instituição é um caso isolado ou é algo comumente praticado? O assunto é tabu para a maioria das corporações e elas evitam falar sobre as políticas que aplicam em relação ao tema.

Porém o gerente de Projeto do Grupo Foco Talentos, Gustavo Nascimento, informa que a prática é relativamente comum nas empresas. Segundo ele, geralmente funcionários que precisam lidar diretamente com o público são cobrados de seus empregadores – muitas vezes de forma indireta - para ter um cuidado maior com a aparência, pois ela tem “impacto direto na impressão do cliente”. Ele aconselha que o empregado, dentro do ambiente de trabalho, se lembrar de que “cumpre um papel de profissional”.

Para a advogada trabalhista Ana Amélia Mascarenhas Camargos, o colaborador, no ambiente de trabalho, tem de seguir as regras do empregador. Entretanto, há um limite para essa interferência da empresa na vida da pessoa. Ana Amélia cita alguns exemplos julgados pela Justiça sobre o assunto, entre eles um processo movido contra o Banco Mercantil, instituição que não admitia que seus funcionários tivessem cabelos compridos, chegando ao ponto de mandar embora por justa causa aqueles que tinham tal aparência. Ao julgar o caso, a Justiça foi contra ao banco e proferiu: “Cabelos compridos nada contra, Cristo tinha”, lembra a advogada.

Outro caso comentado pela especialista foi um processo movido por ex-colaboradoras contra uma rede de lojas. Segundo elas, a empresa as demitiu depois de terem engordado. A empresa acusada de preconceito foi absolvida por falta de provas, dado que a subjetividade do caso.

Cabelo black power

Nascimento também conhece casos de discriminação no ambiente de trabalho em razão da aparência. Ele cita um caso que vivenciou, quando cuidava de um processo de trainee para uma empresa que não aceitava funcionários de cabelos compridos. Um dos candidatos tinha essa característica e iria ser eliminado do processo por isso. Então, o consultor conversou com o candidato, explicou a situação e este concordou em cortar os cabelos, e assim continuou concorrendo à vaga.

Outro exemplo citado por Ana Amélia refere-se a uma empresa do ramo farmacêutico. Um empregado da instituição possuía cabelo estilo black power; a área em que ele trabalhava era de assepsia total, obrigando-o a usar uma touca na cabeça. Ocorre que, devido ao volume de seu cabelo, não havia touca que servisse.

A empresa entrou em contato com o funcionário e explicou a necessidade de cortar os cabelos. Entretanto, ele argumentou que mantinha o visual por questões políticas e culturais. A empresa então chamou o sindicato e resolveram – em acordo entre todas as partes – mudar o profissional de setor, solucionando a questão.

De acordo com a advogada, a empresa não pode interferir na aparência do funcionário por motivos estéticos. Todavia, se o empregado possuir uma característica que, por algum motivo (não estético), afete o desenvolvimento de seu trabalho, a empresa pode agir.

Para resolver essa questão, Ana Amélia orienta os empregadores a buscar o diálogo. Ela sugere que as empresas expliquem aos seus funcionários as razões de suas decisões, deixando bem claro os motivos de determinadas características físicas serem proibidas, explicitando que certos detalhes da aparência podem atrapalhar na execução do trabalho.

Concordando com a importância do diálogo, Nascimento ressalta a necessidade das empresas sempre orientarem seus empregados, conversando com eles sobre o assunto. Segundo ele, uma conversa madura pode resolver o problema.

Artigo escrito por Fabiano Lopes e publicado originalmente no Canal RH.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Além de futebol na Copa do Mundo

As críticas à nova bola da Copa do Mundo da África do Sul, a Jabulani, têm dominado os debates do mundo da bola a poucos dias do início do evento. Fora isso, ainda há uma polêmica ou outra sobre a escalação das seleções e a respeito da ausência de alguns atletas no mundial. Casos do brasileiro Ronaldinho Gaúcho, do francês Benzema, do alemão Ballack e do argentino Cambiasso.

Mas neste artigo não vamos tratar dos mesmos temas levantados por todos aqueles envolvidos ou interessados em futebol. Nossa proposta é trazer as técnicas de comunicação para avaliar algo que tem passado despercebido neste contexto: a forte presença da FIFA nesta Copa e a valorização da cultura e da política sul-africana.

Recorremos a Charles Pierce, a principal referência da Semiótica, para analisar o logotipo da Copa do Mundo. A presença institucional da FIFA está representada pela forte cor azul e da estrutura da fonte – mesmo tamanho de South Africa 2010. Ou seja, tão importante quanto. Em nenhuma outra Copa, a interferência da autoridade do futebol foi tão marcante. Funciona como um selo de garantia, diante de todas as desconfianças do mundo sobre a capacidade da África do Sul de realizar uma competição deste nível. É a base da sustentação do evento.

O logotipo está baseado nas seis cores da bandeira sul-africana: preta, amarela, verde, branca, vermelha e azul. O vermelho simboliza o sangue; a cor azul representa o céu; o verde a terra coberta por rica vegetação e o amarelo o ouro.

As cores também podem ser relacionadas à união dos povos que fizeram parte da história da África do Sul. As cores preta, verde e amarela faziam parte da bandeira do Congresso Nacional Africano (partido que representava a maioria negra na época do Apartheid). Já o vermelho, o azul e o branco estão nas bandeiras do Reino Unido e Holanda, países que colonizaram a região no passado.

O homem negro ensaiando uma bicicleta, uma das jogadas mais bonitas deste esporte, simboliza o belo e a maior parte da população africana. Representa também a alegria e a fantasia. Na forma rupestre e tribal, reforça a tradição cultural da região.

O continente também aparece ao fundo da imagem, de onde surgem setas que apontam para o sul, o local do evento. A falta de moldura no logotipo significa um novo momento da região e, em especial, a África do Sul. A Copa do Mundo da FIFA de 2010 passa a ideia de que o evento é do continente e não apenas de um país.

As formas circulares que aparecem no desenho simbolizam a circularidade, dão dinamicidade e contemporaneidade. E a bola, elemento fundamental para a realização do jogo e alvo de tantas críticas, é o símbolo que remete à tradição. E neste mundial, nem tão tradicional assim.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O desafio das Relações Públicas na pós-modernidade


Qual seria o maior desafio das Relações Públicas diante das mudanças e rupturas sociais propostas pela pós-modernidade ou modernidade líquida, como defende, por exemplo, Zigmunt Bauman? Este artigo não tem o objetivo de trazer as respostas concretas - não teria este atrevimento ou técnica - mas de levantar, a partir de provocações da Sociologia e Filosofia, algumas premissas, que podem contribuir com o processo de atualização da atividade de RP.

Segundo Margarida Kunsch, as Relações Públicas como atividade profissional têm como objeto as organizações e seus públicos, instâncias distintas que, no entanto, se relacionam dialeticamente. É com elas que a área trabalha, promovendo e gerenciando relacionamentos e, muitas vezes, mediando conflitos, valendo-se, para tanto, de estratégias e programas de comunicação de acordo com diferentes situações reais do ambiente social. Essencialmente, o grande desafio para a área é conseguir gerenciar a comunicação entre as duas partes na complexidade da sociedade contemporânea.

O que sabemos até agora é que surge um novo ou remodelado indivíduo, que tem buscado romper com o tempo, com o espaço e com as coisas, tais como as conhecemos. É a modernidade líquida, conceito sustentado por Bauman. Para entendermos este processo, recorremos ao Houaiss. Informa o dicionário sobre liquidez: qualidade ou condição de um corpo no estado líquido; qualidade do que está claramente definido ou determinado, não dando margem a dúvida ou objeção. Já fluidez é a qualidade de líquidos e gases. O que os distingue dos sólidos, conforme a Enciclopédia britânica, é que eles não podem suportar uma força tangencial ou deformante quando imóveis e assim sofrem uma constante mudança de forma quando submetidos a tal tensão.

Pois bem, o que todas essas características dos fluidos mostram é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo, os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão permanentemente prontos a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas por um instante. Em certo sentido, os sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os sólidos, podemos ignorar o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro.

A sociedade pós-moderna vem tentando derreter os sólidos, desconstruir as convenções sociais estabelecidas no passado - éticas e morais - para propor e criar uma nova e suposta melhor ordem. Os sólidos que estão derretendo neste momento são os elos que entrelaçavam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro. O que está acontecendo é uma redistribuição e realocação dos poderes de derretimento da modernidade. As definições de família, cidadania, comunidade, privacidade, controle, hierarquia, por exemplo, já não são as mesmas de antes. Nem um molde está sendo quebrado sem que seja substituído por outro.

As mudanças sociais levantadas por Bauman passam pela influência da Tecnologia da Informação, ora determinante, ora condicionante. Isso nos interessa aqui. Para Andrew Keen, TI é um método de processamento de dados, sistema de informação, engenharia de software, informática, que envolvem aspectos humanos, administrativos e organizacionais. O que nos interessa para esse artigo são os resultados dos avanços em TI, a internet e sua capacidade de influenciar o social e a cultura.

Bem, agora chegamos ao que foi denominado por autores como Manuel Castells e Pierre Lévy de Cibercultura e Ciberespaço, a cultura produzida e amplificada pelo ambiente digital, a ruptura com o tempo e com o espaço físico, por meio da interconexão de mundial dos computadores. Nosso foco continua sendo o indivíduo e sua relação com o mundo.

A internet tem contribuído para que o poder do indivíduo seja resgatado. Há uma busca de identidade nas novas tecnologias, justamente nas interações sociais digitais – entre tribos e comunidades, procura de respostas imediatas para os conflitos sociais, de existência. Identifica-se o que Peter Sloterdijk coloca como o desafio social do indivíduo na relação com o “pertencer”, na capacidade de organizar o mundo a partir das finalidades humanas, colocando o homem numa condição privilegiada na relação de hierarquia com as coisas.

O “pertencer” na pós-modernidade é uma coletividade esporádica, sem compromissos complexos. E as redes sociais digitais estão propiciando a objetivação de si, a subjetividade reprimida, a potencialização da exposição com as novas tecnologias. É o “estar junto” não massivo – uma experiência individual ao mesmo tempo. Por isso, um indivíduo pode ter dois, três mil amigos em uma comunidade digital como o Orkut, contrariando teses sobre redes sociais.

Mas o desenvolvimento tecnológico tem tomado o próprio homem como objeto, não apenas interferindo sobre ele em termos de induções comportamentais, mas também atingindo dimensões internas da organização do pensamento e das emoções que até pouco tempo eram consideradas domínio de uma singularidade inviolável. O processo de mutação está em transição para se transformar em algo que a sociedade atual ainda desconhece – uma passagem para o pós-humano. O indivíduo está perdendo o domínio sobre a natureza e a configuração de laços sociais, rompendo a divisão entre sujeito e objeto, de homem e máquina.

Devemos redefinir os limites do humano e da tecnologia, da simbiose entre a máquina e o homem. Corremos o risco de perder a noção da diferença entre o nosso corpo e o resto do mundo. Quando o nosso processo de conhecimento se produz na tela do computador, quando se verifica o deslocamento do conteúdo de nossa consciência pessoal.

Há uma nova forma de produzir conhecimento, por meio de conexões sociais e de ações dirigidas por comunidades, que se utilizam ou se apropriam de ferramentas interativas disponíveis nos ambientes de rede. Neste novo cenário, a comunicação vertical cede espaço para a comunicação interativa multidirecional. Manuel Castells aponta cinco aspectos centrais deste novo paradigma: a informação é matéria-prima; as novas tecnologias penetram em todas as atividades humanas; a lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações usando essas novas tecnologias; a flexibilidade de organização e reorganização de processos, organizações e instituições; e, por fim, a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado.

Qualquer discussão sobre o papel das Relações Públicas passa pela compreensão da pós-modernidade. Parto da premissa de que a internet tem mudado profundamente a maneira de se fazer RP de empresas. É preciso entender, de uma forma diferente, os chamados públicos de interesse de uma organização, a partir de novos conceitos, para estabelecer processos comunicacionais. Tudo pode ser como um grande jogo (conceito de interatividade) entre organizações e públicos, realizado em plataformas digitais. Este é parte de um novo cenário a ser amplamente estudado e desenvolvido. A proposta pode não ser de ruptura com os modelos praticados, mas de readequação das técnicas, práticas e funções sociais da atividade de RP.

domingo, 16 de maio de 2010

Mais tempo para inscrever seu projeto no Prêmio ABRP 2010

As inscrições para participar do Prêmio ABRP 2010 foram prorrogadas. Os trabalhos podem ser inscritos nas categorias graduação (monografias e projetos experimentais, distribuídos em 15 temáticas) e pós-graduação Lato sensu (monografias) até o próximo dia 21. O concurso premia monografias e projetos experimentais de Relações Públicas de todo o pais.

As inscrições podem ser feitas pelos próprios autores ou pelas instituições de ensino com cursos de graduação ou pós-graduação em RP. O regulamento está disponível no site www.abrpsp.org.br.

Os projetos finalistas serão divulgados no segundo semestre, em data próxima à cerimônia de premiação, que acontece em outubro. Outras informações aqui no Ponto de Desequilíbrio em breve.

Abertas inscrições para o prêmio ABRP 2010

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Só amamos o que não temos ou o que desejamos comprar

Talvez, a frase sugerida no título possa ser melhor explorada a partir do pensamento de Platão, que nos provocava com a ideia de que desejamos sempre o que nos falta e que, portanto, se não nos faz falta, não desejamos e não amamos. Pois bem, não quero tratar de Platão. Para produzir este texto vou recorrer a um filósofo pouco conhecido pela maioria, pois teve o seu reconhecimento público apagado por causa da relevância de Aristóteles, pensador grego que viveu mais ou menos na mesma época. Estou falando aqui do não tão famoso da maioria, Epicuro.

Bem, nós não sabemos bem o que nos torna felizes, talvez o pessoal do Pão de Açúcar possa nos ajudar, mas não seria o caso neste momento. Podemos nos sentir atraídos por bens materiais, na crença de que eles nos trarão felicidade, mas muitas vezes nos equivocamos. Nem sempre desejamos aquilo que precisamos. E não há prova maior disso do que o nosso comportamento quando estamos consumindo. Aqui a coisa pega.

Não entendemos nossas necessidades e, por isso, somos vítimas de desejos que podem ser facilmente substituídos. Por exemplo, já comprou sapatos, calças ou camisas que não serviram ou que nunca tenha usado? Que tenha comprado apenas por impulso, motivado por alguma ideia de prazer. Se você ainda não passou por isso, certamente, conhece alguém que já.

Mas voltando a Epicuro. Este filósofo desenvolveu o modelo da vida que vale a pena ser vivida. Supostamente, ele tem um template! É isso. Epicuro diz que amigos podem trazer a felicidade. Talvez alguns até possam. A convivência e a troca de experiências e afetos com os amigos podem nos completar.

O pensador também nos aponta outros dois ingredientes, que são a liberdade e independência financeira e refletir sobre a vida. Precisamos de tempo para a reflexão, para pensarmos naquilo que realmente nos importa e nos preocupa. Nossas ansiedades diminuem se nos damos tempo para pensar nelas.

Para levar a vida sugerida por Epicuro teríamos de nos afastar das distrações e seduções do mundo comercial e achar o tempo e o local para pensarmos em nossa vida. Aqui cabe o exemplo da casa no campo, ter uma vida simples em uma cidadezinha do interior, longe das pressões sociais urbanas.

Bem, é claro que ter muito dinheiro nunca tornou ninguém infeliz, mas a ideia de Epicuro é que se você não tem dinheiro por alguma razão, mas tem os três ingredientes – amigos, auto-suficiência e reflexão – será mais fácil atingir a felicidade.

A publicidade, de certa forma, nos faz crer que nos faltam muitas coisas em nossa vida. O mundo do comércio cria associações implícitas entre aquilo que deseja nos vender e nossas verdadeiras necessidades. Um carro vermelho esportivo ou uma motocicleta potente podem nos proporcionar o bem-estar da liberdade sugerida por Epicuro.

Quando somos estimulados a comprar por luzes e anúncios coloridos, acabamos esquecendo de nossos desejos verdadeiros. Não temos motivos para crer que exista mais felicidade embutida numa variedade muito maior de coisas que podemos comprar hoje.

Não sabemos o que nos faz felizes. Se soubéssemos do que, de fato, precisamos de verdade ficaríamos menos desesperados e ansiosos para comprar tantas coisas. É por isso que vou continuar comprando e desejando, quem sabe descubro na loja do Pão de Açúcar perto da minha casa.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Um olhar antropológico das redes sociais

Gostaria de compartilhar com os leitores do Ponto de Desequilíbrio um artigo do amigo Ignácio Garcia, um antropólogo e pesquisador que conheci no final de 2009. Ele é especialista em Análise de Redes Organizacionais e CEO da Tree Branding Consulting.

O texto, já publicado em EXPM, é ótimo e nos provoca de forma inteligente. Complemento o pensamento destacando que as redes sociais sempre existiram, mas os desenvolvimentos tecnológicos recentes permitiram sua emergência como uma forma predominante de organização social. Acompanhe abaixo o artigo.

O ano de 2009 nos deixou uma contundente certeza: queiramos ou não, estamos em rede como nunca antes na nossa evolução cultural (por evolução entenda-se aqui o “processo de mudança” e não necessariamente o “progresso” no sentido linear).

Tudo indica que tal processo irá se intensificar nos próximos anos, continuando a dar forma ao que o filósofo Manuel Castells definiu como a “Sociedade em Rede”. E nesta nova era do conhecimento e da sociedade em rede, o Brasil conta com traços culturais de sociabilidade que se manifestam na rápida adoção das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), o que o coloca numa situação privilegiada de competitividade global.

Todavia, junto com esta certeza, vem várias outras incertezas que geram, especialmente no meio empresarial, uma grande ansiedade sobre como se adaptar às mudanças de características vertiginosas, orgânicas (não mecânicas) e auto-organizadas (não impostas pela hierarquia).
É por isso que 2009 foi o ano no qual as organizações brasileiras se voltaram massivamente às chamadas “mídias sociais”, compreendendo que, querendo ou não, já estão na sociedade em rede.
Junto com o empoderamento de um consumidor cada vez mais conectado, antenado e criador de conteúdo e, com as novas características dos cidadãos da denominada geração Y, os limites classificatórios se tornam cada vez mais difusos, nos levando a compreensão de que tudo está interligado.

Dissipação de limites entre a organização empresarial e seus stakeholders (aonde começa e termina cada uma?) e entre o mundo on-line e off-line como espaço de experiência e relacionamento, são exemplos que impactarão cada vez mais a maneira de como se pensa e se pratica a comunicação empresarial.

Nesta vertente, as organizações que se comportem de maneira “retardatária” na compreensão e adoção de novas tecnologias e conceitos de comunicação empresarial, poderão sofrer as conseqüências de quem entra tarde no jogo, podendo se auto-excluir do emaranhado entrançado sócio-cultural contemporâneo.

Com as certezas e incertezas herdadas do ano que passou, nossa proposta para o ano que começa é contribuir na compreensão e ação da comunicação empresarial no seu sentido mais amplo, a partir de uma ótica antropológica das redes sociais que lhe dão vida. Comecemos, então, pela pré-história das redes sociais.

A pré-história das redes sociais
Junto com a crescente popularidade do conceito de “redes sociais” (vinculado ao mundo virtual ou online), cresce a esperança de uma sociedade mais integrada e horizontal, muitas vezes descrita através de metáforas organicistas e provenientes da teoria da complexidade.No entanto, é preciso compreender que o conceito de rede não implica necessariamente algo positivo per se, já que a rede é um meio e não um fim em si mesma, e a valorização da rede é algo relativo aos atores que a compõem.

O conceito de rede social tampouco é algo novo (mas sim ganha novas características na sua versão virtual ou on-line), já que, como mostraremos a seguir, a interligação entre indivíduos é inerente ao gênero humano.

Durante mais de 99% do tempo transcorrido desde a aparição dos primeiros indivíduos do gênero Homo – há aproximadamente dois milhões de anos AC -, nossos antepassados já se organizavam socialmente em pequenas comunidades do tipo caçadoras- recolectoras, nômades, com pouca divisão do trabalho e primando a interação cara-a-cara e a tomada de decisão coletiva e guiada pelo consenso. Ou seja, mais de 99% da nossa existência na Terra vivemos em pequenas redes sociais de topografia (forma) horizontais e clusterizadas em pequenos grupos pouco conectados entre si.

No tempo restante (menos de 1%), importantes mudanças aconteceram - o que não significa que o período anterior fosse estático. De maneira muito resumida, podemos dizer que tais mudanças, particularmente tecnológicas, afetaram o tamanho e hábitos das comunidades e, subseqüentemente, ampliaram os limites do mundo, o que levou a uma posterior sub-limitação geopolítica em Estados-Nação.

Nos últimos vinte anos (irrisórios 0,001%) a aparição da Web 1.0 e posteriormente da Web 2.0 possibilitou, como nunca antes, a interação entre indivíduos diversos e fisicamente distantes, tornando o mundo significativamente mais enxuto (ao menos em termos comunicacionais e em referência aqueles incluídos digitalmente). Este fascinante processo reaviva o conceito de “comunidade” inerente ao nosso gênero.Comunidades formais e, sobretudo, informais que se constituem a partir de atributos em comum, mas desta vez também existem na forma virtual ou on-line, dialogando em tempo real no seu interior e entre elas.

Acreditamos que uma nova história de relacionamentos mais horizontais e auto-organizados está começando e pode beneficiar-se à luz da compreensão da natureza humana, caracterizada, entre outros aspectos, pela necessidade da comunicação informal além das estruturas formais (como é o caso das empresas).

Em suma, este é o momento propício para olhar a comunicação empresarial como uma grande e complexa rede de indivíduos que interagem além dos limites das estruturas formais e físicas e dos canais tradicionais de comunicação.

Desvendar e gerenciar as comunidades de afinidade que se criam e existem dentro e fora das organizações deve ser uma prioridade estratégica da Gestão em geral e da comunicação empresarial em particular.