quinta-feira, 12 de maio de 2011

Planejamento e gestão de crise 9

O tema é mídias sociais. O que muda quando os eventos críticos ocorrem em um ambiente digital, considerando os conceitos que sustentam a ideia do “eu, mídia”? O propósito deste artigo não é falar de cases, levantar polêmicas e conclusões. Mas tratar de questões mais profundas, com elementos filosóficos e estratégicos. Para isso, recorri a alguns autores e a um profissional que admiro muito, Clóvis de Barros Filho.

Uma empresa tem uma representação social, uma ideia de que se tem dela, uma imagem, uma reputação. Ela não existe por si só, mas em função do que se acredita que ela seja. E trabalha muito para que aquilo que se pensa dela seja positivo. Costuma-se refletir sobre o que seria necessário para controlar esta idéia ou imagem. A primeira coisa é que a empresa pode desenvolver ações que, de certa maneira, contribuam para construir uma reputação que se deseja, a crença daquilo que socialmente se pensa seja controlável. De alguma forma, as disciplinas de comunicação fazem crer nisso o tempo inteiro quando propõe em organogramas e modelos, colocando a empresa no centro, no modelo de sol, com raios ligando este centro que é a empresa com o resto da sociedade, os chamados stakeholders. Nos faz acreditar a empresa poderia estrategicamente controlar diversos enunciatários e, com isso, controlar sua reputação. Esta é uma crença ingênua. A imagem ou reputação que uma empresa tem na sociedade transcende os seus esforços, a sua iniciativa de controle. Em outras palavras, a imagem ou reputação é um processo social. É um fato social, que tem causas sociais que vão muito além de qualquer esforço ou iniciativa de controle.

Como se fala mal de todo mundo, o tempo inteiro, podemos concluir que todos os esforços de autopreservação da imagem são insuficientes. Existe uma observação do mundo que vai além da estratégia de comunicação. Os processos são polifônicos e complexos. E o que fazem as novas tecnologias? Elas aceleram o que sempre aconteceu. Novas tecnologias não deram a ninguém inteligência, não permitiram a enunciação de mensagens que antes não existiam, não permitiram ao enunciatário decodificar o que não poderia ser decodificado. Elas aceleraram e possibilitaram os encontros, portanto, manifestações de comunicação.

As novas tecnologias passam a mudar a cadência do processo polifônico de definição das reputações. Nesse sentido, é claro que produzem efeito. Com a internet não ficou mais complexo, continua tudo igual. Só que agora fica mais visível que o objeto da reputação tem pouco controle sobre os processos sociológicos e políticos de definição da imagem que se tem dele. A internet deixa isso mais claro. Fica mais visível que, mais acelerado, escapa ao controle do enunciador a construção da reputação.

A reputação é algo bastante complexo, que envolve aspectos cognitivos e afetivos. Como é possível quantificar a alegria que uma determinada marca produz em quem a contempla por ser consumidor? Naturalmente, alguém poderá dizer muito feliz, pouco feliz. Juízo equivocado, porque alegria não se divide em categorias, porque os afetos são sempre inéditos. Eles não se repetem e, portanto, não se deixam categorizar. Toda tentativa de circunscrever quantitativamente resultados nesse campo, acaba, de certa maneira, desmerecendo aquilo que é mais importante, que é intangível, que é o afeto. É aquilo que você sente muito mais do que aquilo que você tem a dizer. Isto não se deixa limitar a nenhuma estratégia de quantificação. Você pode até quantificar desde que você seja lúcido o separar bananas com bananas e maças com maças.

O desafio da área de comunicação é a ação no sentido de converter uma persuasão de seu cliente num convencimento. Em outras palavras, para que isso aconteça é preciso que aquele ato de fala não seja entendido como um ato de fala subjetivo, individual. Ele terá mais chance de convencer na medida em que ele estiver sido entendido como alguma coisa, digamos, chancelada pelo espaço público. Toda vez que você sai de um instrumento de persuasão para o convencimento, você descaracteriza o interesse que está por trás de toda a persuasão e você higieniza esse interesse, dando claro que outros disseram a mesma coisa que não tem necessariamente o interesse daquele que fez a primeira observação.

Todo o trabalho de convencimento é um trabalho que tem de aparecer diferente do que é. Ou seja, o discurso será mais convencedor, quando ele parecer fruto do interesse de quem se posiciona persuadido. Todo tipo de consagração será tanto mais eficaz, quanto maior o desinteresse aparente da frase consagradora, do discurso consagrador. De certa maneira, o trabalho de persuasão e convencimento é um trabalho de anulação da perspectiva interessada de quem fala em nome de uma suposta verdade, em nome de uma suposta concordância, que na verdade, se pretende fabricar. No fundo, para convencer, você precisa negar a verdadeira natureza interessada daquela propositura persuadida.

Mas o que a internet tem que de certa maneira age sobre este processo? É que a internet fabrica condições semelhantes à Ágora ateniense, onde os discursos circulavam de maneira concentrada e muito mais rapidamente. Neste caso, o trabalho de higienização é um trabalho que, de certa maneira, é facilitado pela rapidez com que os discursos circulam e pelo relativo anonimato dos porta-vozes. O número de discursos e iniciativas discursivas na internet é tão grande que você não sabe mais quem está falando. Este processo é facilitador de ações de comunicação. Você tem uma pluralidade de discursos infinita, uma rapidez de enunciação de discursos infinita e, portanto, uma tendência a estabelecer uma ruptura entre porta-voz e discursos. Como a condição para o convencimento é o desinteresse do porta-voz, eu acho a internet um espaço extremamente interessante de conversão de persuasão em convencimento.

A força social de um discurso é inseparável da legitimidade de seu porta-voz. O discurso não vale pelo que é dito, vale por quem diz e pela posição social ocupada por quem diz. Adoro esta mensagem do Bourdieu. Não é possível afirmar se as mídias sociais já teriam condições de enfrentamento com o mainstream opinativo das mídias e até do Estado. Há bons cases que poderiam ser citados aqui, como os de Brastemp, Arezzo e Renner. Não temos como dizer isso porque cada caso é um caso e é preciso ver quem se manifesta e como se manifesta. É provável que uma pessoa que tenha legitimidade em uma determinada área, se ela entrar em qualquer mídia de internet, poderá produzir um estrago, um furo numa opinião dominante proposta no sentido contrário. Mas se for alguém com pouca capacidade de influência pode não acontecer nada. Então não dá para estabelecer uma relação de forças, sem que saibamos quais são os agentes sociais envolvidos.

Outro ponto a provocar. Uma iniciativa de resposta de uma empresa para uma crise, que tenha sido iniciada nas mídias sociais, deve ser conduzida apenas neste ambiente ou deve tratada na grande imprensa?As mídias se sobrepõem. Um indivíduo que é internauta, com capacidade de influenciar, também é leitor de jornal de revista. Toda segmentação neste aspecto desmente a complexidade do consumo de mídia de um cidadão comum. Cada caso é um caso. Não dá para dizer, fique só na internet. Tem certos assuntos que ficam apenas na internet, outros não. Pode ser uma estratégia muito lúcida trabalhar só a Web. Mas tem certos assuntos que transcendem o mundo digital. Neste caso, a estratégia de centrar fogo na internet não apagará o incêndio de uma notícia veiculada no Jornal Nacional. Isto é uma questão de gestão, de recursos escassos.

Não existe, na grade maioria das situações, clareza e verdade por parte dos discursos organizacionais. Qual é a transparência que se deseja? Não é você dizer a verdade sobre os fatos, o que é uma impossibilidade porque os discursos não dão conta do mundo da vida. Mas é você dizer as verdades sobre os desejos. Portanto, não anular os desejos em nome da realidade, mas, de certa maneira, anular a realidade em nome dos desejos. Uma empresa pode ser transparente com o seu consumidor, quando ela diz para ele o que ela pretende da vida, qual é a dela. Tudo menos a responsabilidade social, mas o lucro, o mercado. Isto é a verdadeira transparência, a transparência da libido, das inclinações e dos desejos. O conceito de transparência é importante porque numa ética das relações entre as empresa e seus públicos, você dá ao público a chance de descontinuar a relação. Se você for transparente, você vai mostrar aquilo que você é. E o que você é? Você é desejo, é ambição, é excitação, luta pela glória. Este é o discurso da transparência número um. O discurso número dois é o oposto. É o do perspectivismo. Não da neutralidade, mas do efeito. Não da imparcialidade, mas da parcialidade. Eu sou parte e você é outra parte. A minha parte quer isso e a sua? No lugar da neutralidade, a eficácia. No lugar da objetividade, a subjetividade. No lugar da verdade, o desejo. E aí você tem uma nova transparência. O que temos, na prática, é o cinismo. É a elaboração de um discurso na contramão do desejo do que você efetivamente pretende.

Para finalizarmos, outra provocação. Vamos considerar que as empresas adotam uma política de comunicação para cada público. Criamos versões diferentes do mesmo fato para cada público, adequando o meio à mensagem, conforme nos ensinou McLuhan. Pois bem, o que é que as novas tecnologias estão mexendo? O problema é que os públicos estão interagindo, falando entre si pela Web, portanto, de maneira muito mais rápida. É preciso adotar a mesma mensagem para todos. A tecnologia tem uma conseqüência moral que é dificultar cinismo que sempre pautou as estratégias de comunicação.