segunda-feira, 17 de maio de 2010

O desafio das Relações Públicas na pós-modernidade


Qual seria o maior desafio das Relações Públicas diante das mudanças e rupturas sociais propostas pela pós-modernidade ou modernidade líquida, como defende, por exemplo, Zigmunt Bauman? Este artigo não tem o objetivo de trazer as respostas concretas - não teria este atrevimento ou técnica - mas de levantar, a partir de provocações da Sociologia e Filosofia, algumas premissas, que podem contribuir com o processo de atualização da atividade de RP.

Segundo Margarida Kunsch, as Relações Públicas como atividade profissional têm como objeto as organizações e seus públicos, instâncias distintas que, no entanto, se relacionam dialeticamente. É com elas que a área trabalha, promovendo e gerenciando relacionamentos e, muitas vezes, mediando conflitos, valendo-se, para tanto, de estratégias e programas de comunicação de acordo com diferentes situações reais do ambiente social. Essencialmente, o grande desafio para a área é conseguir gerenciar a comunicação entre as duas partes na complexidade da sociedade contemporânea.

O que sabemos até agora é que surge um novo ou remodelado indivíduo, que tem buscado romper com o tempo, com o espaço e com as coisas, tais como as conhecemos. É a modernidade líquida, conceito sustentado por Bauman. Para entendermos este processo, recorremos ao Houaiss. Informa o dicionário sobre liquidez: qualidade ou condição de um corpo no estado líquido; qualidade do que está claramente definido ou determinado, não dando margem a dúvida ou objeção. Já fluidez é a qualidade de líquidos e gases. O que os distingue dos sólidos, conforme a Enciclopédia britânica, é que eles não podem suportar uma força tangencial ou deformante quando imóveis e assim sofrem uma constante mudança de forma quando submetidos a tal tensão.

Pois bem, o que todas essas características dos fluidos mostram é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo, os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão permanentemente prontos a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas por um instante. Em certo sentido, os sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os sólidos, podemos ignorar o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro.

A sociedade pós-moderna vem tentando derreter os sólidos, desconstruir as convenções sociais estabelecidas no passado - éticas e morais - para propor e criar uma nova e suposta melhor ordem. Os sólidos que estão derretendo neste momento são os elos que entrelaçavam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro. O que está acontecendo é uma redistribuição e realocação dos poderes de derretimento da modernidade. As definições de família, cidadania, comunidade, privacidade, controle, hierarquia, por exemplo, já não são as mesmas de antes. Nem um molde está sendo quebrado sem que seja substituído por outro.

As mudanças sociais levantadas por Bauman passam pela influência da Tecnologia da Informação, ora determinante, ora condicionante. Isso nos interessa aqui. Para Andrew Keen, TI é um método de processamento de dados, sistema de informação, engenharia de software, informática, que envolvem aspectos humanos, administrativos e organizacionais. O que nos interessa para esse artigo são os resultados dos avanços em TI, a internet e sua capacidade de influenciar o social e a cultura.

Bem, agora chegamos ao que foi denominado por autores como Manuel Castells e Pierre Lévy de Cibercultura e Ciberespaço, a cultura produzida e amplificada pelo ambiente digital, a ruptura com o tempo e com o espaço físico, por meio da interconexão de mundial dos computadores. Nosso foco continua sendo o indivíduo e sua relação com o mundo.

A internet tem contribuído para que o poder do indivíduo seja resgatado. Há uma busca de identidade nas novas tecnologias, justamente nas interações sociais digitais – entre tribos e comunidades, procura de respostas imediatas para os conflitos sociais, de existência. Identifica-se o que Peter Sloterdijk coloca como o desafio social do indivíduo na relação com o “pertencer”, na capacidade de organizar o mundo a partir das finalidades humanas, colocando o homem numa condição privilegiada na relação de hierarquia com as coisas.

O “pertencer” na pós-modernidade é uma coletividade esporádica, sem compromissos complexos. E as redes sociais digitais estão propiciando a objetivação de si, a subjetividade reprimida, a potencialização da exposição com as novas tecnologias. É o “estar junto” não massivo – uma experiência individual ao mesmo tempo. Por isso, um indivíduo pode ter dois, três mil amigos em uma comunidade digital como o Orkut, contrariando teses sobre redes sociais.

Mas o desenvolvimento tecnológico tem tomado o próprio homem como objeto, não apenas interferindo sobre ele em termos de induções comportamentais, mas também atingindo dimensões internas da organização do pensamento e das emoções que até pouco tempo eram consideradas domínio de uma singularidade inviolável. O processo de mutação está em transição para se transformar em algo que a sociedade atual ainda desconhece – uma passagem para o pós-humano. O indivíduo está perdendo o domínio sobre a natureza e a configuração de laços sociais, rompendo a divisão entre sujeito e objeto, de homem e máquina.

Devemos redefinir os limites do humano e da tecnologia, da simbiose entre a máquina e o homem. Corremos o risco de perder a noção da diferença entre o nosso corpo e o resto do mundo. Quando o nosso processo de conhecimento se produz na tela do computador, quando se verifica o deslocamento do conteúdo de nossa consciência pessoal.

Há uma nova forma de produzir conhecimento, por meio de conexões sociais e de ações dirigidas por comunidades, que se utilizam ou se apropriam de ferramentas interativas disponíveis nos ambientes de rede. Neste novo cenário, a comunicação vertical cede espaço para a comunicação interativa multidirecional. Manuel Castells aponta cinco aspectos centrais deste novo paradigma: a informação é matéria-prima; as novas tecnologias penetram em todas as atividades humanas; a lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações usando essas novas tecnologias; a flexibilidade de organização e reorganização de processos, organizações e instituições; e, por fim, a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado.

Qualquer discussão sobre o papel das Relações Públicas passa pela compreensão da pós-modernidade. Parto da premissa de que a internet tem mudado profundamente a maneira de se fazer RP de empresas. É preciso entender, de uma forma diferente, os chamados públicos de interesse de uma organização, a partir de novos conceitos, para estabelecer processos comunicacionais. Tudo pode ser como um grande jogo (conceito de interatividade) entre organizações e públicos, realizado em plataformas digitais. Este é parte de um novo cenário a ser amplamente estudado e desenvolvido. A proposta pode não ser de ruptura com os modelos praticados, mas de readequação das técnicas, práticas e funções sociais da atividade de RP.