terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Só amamos o que não temos ou o que desejamos comprar

Talvez, a frase sugerida no título possa ser melhor explorada a partir do pensamento de Platão, que nos provocava com a ideia de que desejamos sempre o que nos falta e que, portanto, se não nos faz falta, não desejamos e não amamos. Pois bem, não quero tratar de Platão. Para produzir este texto vou recorrer a um filósofo pouco conhecido pela maioria, pois teve o seu reconhecimento público apagado por causa da relevância de Aristóteles, pensador grego que viveu mais ou menos na mesma época. Estou falando aqui do não tão famoso da maioria, Epicuro.

Bem, nós não sabemos bem o que nos torna felizes, talvez o pessoal do Pão de Açúcar possa nos ajudar, mas não seria o caso neste momento. Podemos nos sentir atraídos por bens materiais, na crença de que eles nos trarão felicidade, mas muitas vezes nos equivocamos. Nem sempre desejamos aquilo que precisamos. E não há prova maior disso do que o nosso comportamento quando estamos consumindo. Aqui a coisa pega.

Não entendemos nossas necessidades e, por isso, somos vítimas de desejos que podem ser facilmente substituídos. Por exemplo, já comprou sapatos, calças ou camisas que não serviram ou que nunca tenha usado? Que tenha comprado apenas por impulso, motivado por alguma ideia de prazer. Se você ainda não passou por isso, certamente, conhece alguém que já.

Mas voltando a Epicuro. Este filósofo desenvolveu o modelo da vida que vale a pena ser vivida. Supostamente, ele tem um template! É isso. Epicuro diz que amigos podem trazer a felicidade. Talvez alguns até possam. A convivência e a troca de experiências e afetos com os amigos podem nos completar.

O pensador também nos aponta outros dois ingredientes, que são a liberdade e independência financeira e refletir sobre a vida. Precisamos de tempo para a reflexão, para pensarmos naquilo que realmente nos importa e nos preocupa. Nossas ansiedades diminuem se nos damos tempo para pensar nelas.

Para levar a vida sugerida por Epicuro teríamos de nos afastar das distrações e seduções do mundo comercial e achar o tempo e o local para pensarmos em nossa vida. Aqui cabe o exemplo da casa no campo, ter uma vida simples em uma cidadezinha do interior, longe das pressões sociais urbanas.

Bem, é claro que ter muito dinheiro nunca tornou ninguém infeliz, mas a ideia de Epicuro é que se você não tem dinheiro por alguma razão, mas tem os três ingredientes – amigos, auto-suficiência e reflexão – será mais fácil atingir a felicidade.

A publicidade, de certa forma, nos faz crer que nos faltam muitas coisas em nossa vida. O mundo do comércio cria associações implícitas entre aquilo que deseja nos vender e nossas verdadeiras necessidades. Um carro vermelho esportivo ou uma motocicleta potente podem nos proporcionar o bem-estar da liberdade sugerida por Epicuro.

Quando somos estimulados a comprar por luzes e anúncios coloridos, acabamos esquecendo de nossos desejos verdadeiros. Não temos motivos para crer que exista mais felicidade embutida numa variedade muito maior de coisas que podemos comprar hoje.

Não sabemos o que nos faz felizes. Se soubéssemos do que, de fato, precisamos de verdade ficaríamos menos desesperados e ansiosos para comprar tantas coisas. É por isso que vou continuar comprando e desejando, quem sabe descubro na loja do Pão de Açúcar perto da minha casa.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Um olhar antropológico das redes sociais

Gostaria de compartilhar com os leitores do Ponto de Desequilíbrio um artigo do amigo Ignácio Garcia, um antropólogo e pesquisador que conheci no final de 2009. Ele é especialista em Análise de Redes Organizacionais e CEO da Tree Branding Consulting.

O texto, já publicado em EXPM, é ótimo e nos provoca de forma inteligente. Complemento o pensamento destacando que as redes sociais sempre existiram, mas os desenvolvimentos tecnológicos recentes permitiram sua emergência como uma forma predominante de organização social. Acompanhe abaixo o artigo.

O ano de 2009 nos deixou uma contundente certeza: queiramos ou não, estamos em rede como nunca antes na nossa evolução cultural (por evolução entenda-se aqui o “processo de mudança” e não necessariamente o “progresso” no sentido linear).

Tudo indica que tal processo irá se intensificar nos próximos anos, continuando a dar forma ao que o filósofo Manuel Castells definiu como a “Sociedade em Rede”. E nesta nova era do conhecimento e da sociedade em rede, o Brasil conta com traços culturais de sociabilidade que se manifestam na rápida adoção das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), o que o coloca numa situação privilegiada de competitividade global.

Todavia, junto com esta certeza, vem várias outras incertezas que geram, especialmente no meio empresarial, uma grande ansiedade sobre como se adaptar às mudanças de características vertiginosas, orgânicas (não mecânicas) e auto-organizadas (não impostas pela hierarquia).
É por isso que 2009 foi o ano no qual as organizações brasileiras se voltaram massivamente às chamadas “mídias sociais”, compreendendo que, querendo ou não, já estão na sociedade em rede.
Junto com o empoderamento de um consumidor cada vez mais conectado, antenado e criador de conteúdo e, com as novas características dos cidadãos da denominada geração Y, os limites classificatórios se tornam cada vez mais difusos, nos levando a compreensão de que tudo está interligado.

Dissipação de limites entre a organização empresarial e seus stakeholders (aonde começa e termina cada uma?) e entre o mundo on-line e off-line como espaço de experiência e relacionamento, são exemplos que impactarão cada vez mais a maneira de como se pensa e se pratica a comunicação empresarial.

Nesta vertente, as organizações que se comportem de maneira “retardatária” na compreensão e adoção de novas tecnologias e conceitos de comunicação empresarial, poderão sofrer as conseqüências de quem entra tarde no jogo, podendo se auto-excluir do emaranhado entrançado sócio-cultural contemporâneo.

Com as certezas e incertezas herdadas do ano que passou, nossa proposta para o ano que começa é contribuir na compreensão e ação da comunicação empresarial no seu sentido mais amplo, a partir de uma ótica antropológica das redes sociais que lhe dão vida. Comecemos, então, pela pré-história das redes sociais.

A pré-história das redes sociais
Junto com a crescente popularidade do conceito de “redes sociais” (vinculado ao mundo virtual ou online), cresce a esperança de uma sociedade mais integrada e horizontal, muitas vezes descrita através de metáforas organicistas e provenientes da teoria da complexidade.No entanto, é preciso compreender que o conceito de rede não implica necessariamente algo positivo per se, já que a rede é um meio e não um fim em si mesma, e a valorização da rede é algo relativo aos atores que a compõem.

O conceito de rede social tampouco é algo novo (mas sim ganha novas características na sua versão virtual ou on-line), já que, como mostraremos a seguir, a interligação entre indivíduos é inerente ao gênero humano.

Durante mais de 99% do tempo transcorrido desde a aparição dos primeiros indivíduos do gênero Homo – há aproximadamente dois milhões de anos AC -, nossos antepassados já se organizavam socialmente em pequenas comunidades do tipo caçadoras- recolectoras, nômades, com pouca divisão do trabalho e primando a interação cara-a-cara e a tomada de decisão coletiva e guiada pelo consenso. Ou seja, mais de 99% da nossa existência na Terra vivemos em pequenas redes sociais de topografia (forma) horizontais e clusterizadas em pequenos grupos pouco conectados entre si.

No tempo restante (menos de 1%), importantes mudanças aconteceram - o que não significa que o período anterior fosse estático. De maneira muito resumida, podemos dizer que tais mudanças, particularmente tecnológicas, afetaram o tamanho e hábitos das comunidades e, subseqüentemente, ampliaram os limites do mundo, o que levou a uma posterior sub-limitação geopolítica em Estados-Nação.

Nos últimos vinte anos (irrisórios 0,001%) a aparição da Web 1.0 e posteriormente da Web 2.0 possibilitou, como nunca antes, a interação entre indivíduos diversos e fisicamente distantes, tornando o mundo significativamente mais enxuto (ao menos em termos comunicacionais e em referência aqueles incluídos digitalmente). Este fascinante processo reaviva o conceito de “comunidade” inerente ao nosso gênero.Comunidades formais e, sobretudo, informais que se constituem a partir de atributos em comum, mas desta vez também existem na forma virtual ou on-line, dialogando em tempo real no seu interior e entre elas.

Acreditamos que uma nova história de relacionamentos mais horizontais e auto-organizados está começando e pode beneficiar-se à luz da compreensão da natureza humana, caracterizada, entre outros aspectos, pela necessidade da comunicação informal além das estruturas formais (como é o caso das empresas).

Em suma, este é o momento propício para olhar a comunicação empresarial como uma grande e complexa rede de indivíduos que interagem além dos limites das estruturas formais e físicas e dos canais tradicionais de comunicação.

Desvendar e gerenciar as comunidades de afinidade que se criam e existem dentro e fora das organizações deve ser uma prioridade estratégica da Gestão em geral e da comunicação empresarial em particular.