quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O 'jornalismo cidadão' como aliado na tragédia de Santa Catarina

Além da cobertura jornalística da imprensa mainstream, outro fator midiático tem ajudado a mobilizar a opinião pública nacional em torno do verdadeiro caos instaurado em Santa Catarina por causa das chuvas que atingem o estado há vários dias. São numerosos os registros, por meio de fotos e vídeos, de cidadãos comuns, engajados na promoção do drama de famílias que choram a perda de parentes e amigos e vêem a lama e a água invadirem ruas e destruírem suas casas.

Este movimento por parte da sociedade tem sido chamado por especialistas em comunicação de citizen journalism ou participatory journalism. É um fenômeno das mídias sociais, resultado da democratização da tecnologia, que tem permitido à sociedade a fácil produção e distribuição de conteúdo. No caso de Santa Catarina, muitos materiais foram feitos com aparelhos multimídia. Qualquer pessoa com celular na mão pode tornar-se um repórter, distribuindo este material, por exemplo, para os blogs, o YouTube ou para a mídia tradicional.

O jornalismo cidadão tem complementado a atividade dos jornalistas envolvidos na cobertura deste caso, sobretudo, na fase inicial, quando apenas a imprensa local, com alcance restrito, apurava os fatos. Nos últimos dias, temos nos surpreendido com vídeos e fotos amadores, mostrados por um grande número de programas de televisão, revelando a verdadeira face do drama vivido pela população catarinense.

A situação crítica em Santa Catarina nos fez lembrar outra grande crise, a do Tsunami no sudeste da Ásia, em 2004, que causou a morte de cerca de 200 mil pessoas. Na ocasião, o mundo pôde assistir perplexo aos vídeos amadores produzidos por alguns cidadãos – a maioria, turistas - de ondas gigantes consumindo a praia, invadindo as ruas e provocando a destruição. Assim como na tragédia brasileira, o jornalismo cidadão ajudou, no caso asiático, a influenciar a opinião pública mundial, ONGs e governos no socorro às vítimas e na recuperação dos territórios atingidos.

Os cidadãos, peritos ou não no uso da tecnologia, podem oferecer testemunhos relevantes - e por isso, podem ser importantes fontes de informação, que, evidentemente, devem ser rigorosamente checadas. Embora represente um novo conceito, transformar cada cidadão em um jornalista não é uma nova ambição social, mas uma tendência.

Numa situação de crise como a de Santa Catarina, a inteligência coletiva pode contribuir muito. O desafio maior, sob a perspectiva da comunicação, é a organização e a definição de relevância de todo o material capturado. A notícia não é apenas uma questão de bom ou de mau gosto, mas é realmente uma questão de necessidade. Mas devemos estar conscientes sobre a função social de cada um, não confundindo conceitos sobre o jornalismo e o direito constitucional de liberdade de expressão.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A onça e o papagaio na Web 2.0

Recebi, recentemente, de Gisele Lorenzetti um artigo de seu pai, Valentim Lorenzetti, escrito há mais de 20 anos para a revista Exame, que traz uma fábula bastante pertinente para a comunicação empresarial atual, no ambiente da Web 2.0. A estória reforça a idéia de que as organizações precisam ter uma visão ampla, organizada e sistemática dos processos de comunicação.

A fábula diz o seguinte. Certa vez, a onça mandou o papagaio espalhar por toda a floresta que ela se tornara mansa e, portanto, convidava toda a bicharada para uma festa de confraternização em sua toca. O papagaio fez um trabalho muito eficiente, difundindo a notícia aos quatro ventos. No dia marcado, a toca da onça estava cheia de animais, todos muito alegres por estarem participando do evento. A onça fechou a porta e teve muito tempo para comer, um a um, todos os bichos, inclusive o papagaio.

Na análise de Valetim Lorenzetti faltou atuação de relações públicas. Utilizou-se apenas comunicação. Um programa de RP teria se preocupado, antes de qualquer coisa, com três pontos fundamentais: mudar o hábito alimentar da onça, alterar suas patas, retirando-lhes as garras e mudar seus dentes de carnívoro. Após estas alterações, a ação de RP teria previsto um teste com público restrito, para ver se tudo estava funcionando conforme os objetivos. Somente em caso positivo é que entraria em ação a comunicação: o papagaio poderia espalhar a notícia. Nesse caso, a comunicação teria consistência, pois estaria difundindo a mudança efetiva. Sem a mudança, nada haveria a comunicar.

No ambiente da Web, identificamos organizações ávidas por se relacionarem com as mídias sociais, numa tentativa de atualizar a sua comunicação. Muitas, porém, se esquecem de traçar cenários, avaliar os riscos e identificar, verdadeiramente, as oportunidades. As boas práticas destacadas por Valentim Lorenzetti em seu artigo, há 20 anos, se aplicam também ao Cyberespaço.

Um empresa não deve enxergar blogs e comunidades virtuais apenas como mídia. É uma leitura limitada e parcial da realidade. Antes de convidá-los para a festa, devemos entender que um blogueiro pode ser, ao mesmo tempo, meio e finalidade. Às vezes, acumulando as duas funções sociais. Sob a perspectiva das relações públicas, seria necessário estabelecer um programa de relacionamentos com lideranças, antes de interferir em seus ambientes, levando espontaneamente mensagens publicitárias e institucionais.

É preciso conhecer, devidamente, o canal com que se pretende dialogar, identificando a ideologia, os valores e a cultura de seus controladores. Apenas desta forma, poderemos estabelecer relações éticas e transparentes, abrindo possibilidades de interferir positivamente na agenda destes espaços virtuais e até influenciar estas lideranças para que elas possam multiplicar as suas mensagens. Pensar nas mídias sociais apenas como novos canais de comunicação, sem uma visão abrangente de seu papel social, pode levar uma organização a ser devorada pela onça.