segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Diário de uma crise

Desde que finalizei a minha participação no gerenciamento de crise no chamado "Escândalo do Mensalão", em Belo Horizonte, alguns colegas têm questionado sobre o processo de tomada de decisão e relacionamento com a mídia em momentos críticos, de crise - neste caso, empresarial e política. Por isso, gostaria de reproduzir a entrevista que dei para o meu colega Eduardo Vasques. Leiam abaixo a íntegra.

Qual é o primeiro ato do gerenciamento de crise, ou seja, as “boas práticas” da comunicação dizem que se deve fazer o que quando a crise surge?
Depende da crise e dos atores envolvidos no caso. Há empresas que já possuem planos bem desenvolvidos e outras, simplesmente, não estão preparadas para este tipo de evento. Planejamento é fundamental. As boas práticas de gerenciamento e crise passam pela formação do GAC (Grupo de Administração de Crise). O GAC inclui advogados, diretores, gestores de comunicação, especialistas em segurança e, dependendo da demanda, outros profissionais da corporação e consultores externos.

Diante de uma crise, o GAC deve identificar o tipo de crise que está atingindo a companhia: de sabotagem, natureza econômica ou legal, de informação, desastres industriais e naturais, de reputação. Enfim, estes são alguns tipos. O grupo deve fazer uma análise SWOT, identificar forças, fraquezas, ameaças e oportunidades. Um estudo de caso. Neste processo, é importante ter uma visão de fora para dentro (como os outros estão enxergando você) e uma visão de dentro para fora (como nós estamos enxergando a crise). Tente identificar qual é o seu comando da crise.

Estes são os primeiros passos. Em todo este processo, é crucial ter humildade para reconhecer os erros e não tentar enganar a opinião pública. Outras recomendações: não entre numa briga que não é sua. Avalie o foco da crise para tomar suas decisões. Há situações em que a imprensa quer atingir outro alvo, mas você pode ser usado para sustentar as denúncias contra os pivôs da crise.

Portanto, não entre nessa disputa, tampouco numa briga com a mídia. Junte todos os documentos possíveis que demonstrem sua defesa no momento ou em ações futuras. Não subestime os fatos, mesmo diante de acusações tolas, aparentemente sem peso. Eles podem tomar proporções de grande alcance.

Quais os recursos necessários para suportar um gerenciamento de crise como a que passou?
É importante ressaltar que cada crise tem a sua própria característica. Nem sempre o que foi determinante em um caso será em outro. O principal, no meu entendimento, é ter a confiança dos atores principais da crise e bom relacionamento com imprensa. É importante que a mídia reconheça no gestor de crise ética e capacidade profissional. Além disso, é preciso contar com uma eficiente empresa de clipping, monitoramento de mídia e pesquisa de imagem pública, de percepção.

O jornalismo político é cheio de intempéries. Como controlar uma horda de desesperados por informações privilegiadas?
Meu foco durante esta crise foi a mídia mainstream. A escalada do Jornal Nacional ou a próxima capa de Veja eram determinantes, pois orientavam toda a cobertura jornalística. Mas, claro, outros veículos foram analisados, acompanhados e privilegiados. Trabalhamos com uma amostra grande.

Nesta crise, vi muito veículo de imprensa grande com repórteres despreparados e arrogantes, que não aceitavam o diálogo e, pior, não apuravam os fatos. Só estavam interessados nas manchetes que seriam vendidas para o editor. Todo muito sai perdendo nestas situações. Me lembro de um grande jornal que publicou a seguinte manchete “XXX recebeu R$1,5 milhões do esquema Marcos Valério”. Uma bobagem. O tal periódico havia recebido recursos de mídia. Ou seja, montante justo e honesto pela veiculação de anúncios. As agências de Marcos Valério tinham contas de empresas importantes que rendiam muito à mídia em forma de publicidade.

Chegou a perder o bom relacionamento que mantinha com alguns “colegas” da redação por conta do caso Marcos Valério, que não aceitaram determinadas posturas?
Felizmente, não. Entendo que pela postura profissional, ética e respeitosa. Aplaudi várias vezes alguns colegas por matérias muito bem feitas e apuradas. Este deve ser o espírito.
Como manter o equilíbrio e os critérios de ética nessa situação tão complexa?O segredo foi ter em mente que a crise não era minha. Estava apenas contribuindo para a gestão dela. Em todo o período, busquei respostas na minha história, na minha formação de vida, familiar e acadêmica. Tomei decisões no presente com base nos meus em meus valores e compromissos aprendidos no passado.

Quais foram os períodos mais críticos e de que forma conseguiu contorná-los?
Do início ao fim, mas especialmente durante as inspeções da Polícia Federal nas agências, quando fui o RP, e quando uma “vítima” da crise era atingida pela imprensa ou por acusações de parlamentares.

Houve algum tipo de preocupação com o que circulava especialmente na internet? Afinal, alguns dos principais meios de cobertura política estão em formato de blogs na web como Noblat, Claudio Humberto e companhia…
Neste período, os blogs ainda não tinham tanta força e influência na opinião pública. Os sites mencionados na pergunta foram os grandes destaques: Noblat e Cláudio Humberto. Eles interferiram positivamente para o esclarecimentos dos fatos.

Quando uma crise desse gênero pode ser considerada resolvida?
Depende. Se o foco estiver na questão legal, só termina quando os processos são encerrados. Se os objetivos estiverem na reputação, a crise pode ser considerada finalizada quando a opinião pública se esquece dos fatos ou quando a empresa consegue retomar o seu negócio.