A política de comunicação de sua empresa estabelece regras aos colaboradores para a participação deles nas mídias sociais? Se sua resposta for negativa, saiba que você acompanha a grande maioria, que ainda não percebeu que uma opinião dada por um funcionário em um blog, em um fórum de discussões ou em uma rede de relacionamentos pode atingir a imagem e a reputação corporativa.
Da mesma forma que um diretor e um gerente não estarão dissociados de suas empresas na hora de emitir juízos sobre um determinado tema, também não estarão descolados no caso da web. A regra é a mesma. Um comentário mais enfático sobre o produto do concorrente ou uma crítica mais dura a alguém, que não estejam nos planos da organização, serão atribuídos a ela por uma grande parte da opinião pública atenta ao caso.
Devemos considerar ainda as situações em que um colaborador poderá publicar em seu blog ou em qualquer outro espaço similar posts sobre decisões que julgue controversas ou polêmicas, revelando publicamente medidas internas que, até aquele momento, eram confidenciais. Em outros tempos, em um passado sem a web 2.0, seriam.
Agora tente imaginar a publicação de um vídeo da última festa de fim de ano da sua empresa, em que muitas pessoas, um pouco mais alteradas e motivadas pela combinação alegria e bebida, aparecem de forma descontraída, cantando e dançando – para não citar ocorrências mais delicadas. Qual seria o impacto deste conteúdo - nenhuma obra prima do cinema - para a imagem empresarial? Certamente não agregaria.
Ter na empresa colaboradores que mantêm blogs, contas no Orkut, Facebook, MySpace, YouTube, Flickr e Twitter é uma realidade cada vez maior e mais intensa. Portanto, não bastará mais adotar medidas restritivas ao uso destes sites. A questão é cultural e comportamental. Será muito melhor para as organizações prever políticas sobre todas as formas de comunicação, como verbal, e-mails e participação em chats, blogs e outros canais interativos. Novos cenários exigem mudanças nas diretrizes.
Você e sua empresa devem se responsabilizar por todo o conteúdo postado nas mídias sociais: oficial ou não. David Meerman Scott, em seu livro As novas regras do marketing e de relações públicas, levanta algumas questões relevantes que devem ser debatidas no momento de definição das diretrizes de comunicação: transparência, privacidade, revelações, verdade, créditos e controle. E não se esqueça de incluir nesta política, além de regras, o bom senso.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
"A tecnologia tem uma consequência moral que é dificultar o cinismo que sempre pautou as estratégias de comunicação"
A afirmação no título deste artigo é do professor Dr. Clóvis de Barros Filho, um dos principais especialistas em ética do país. O cara é polêmico e genial, a despeito de seus recursos para ganhar a admiração de sua audiência. Mas é brilhante.
Conversei com Barros Filho durante quase 1h. Pouco para quem deseja ouvir conteúdo inteligente e com poder transformador. Falamos sobre a ética das empresas no ambiente da web 2.0. Confira na seqüência a entrevista completa.
O senhor entende que uma crise surgida no ambiente das mídias sociais (blogs, comunidades e fóruns) teria o poder de impactar negativamente a imagem e a reputação de uma empresa no mundo offline?
Clóvis de Barros Filho – Uma empresa, tal como uma pessoa, ou uma instituição pública conta com uma representação social, uma idéia de que se tem dela, uma imagem, uma reputação. Em outras palavras, tanto uma pessoa, como uma empresa, não existe por si só. Mas existem muito em função do que se acredita que elas sejam. Tanto as pessoas físicas, quanto as jurídicas lutam muito para aquilo que se pensam dela seja positivo. A importância disso é tão grande, que o Direito protege a imagem e a reputação na sua seara mais legítima que é o direito penal.
Costuma-se refletir sobre o que seria necessário para controlar esta idéia ou imagem da pessoa física ou jurídica. A primeira coisa que vem à mente, é que a própria pessoa física e a jurídica podem lançar mão de ações que, de certa maneira, contribuam para construir uma reputação que se deseja, a crença daquilo que socialmente se pensa de alguém ou uma empresa seja controlável por esta pessoa física ou pessoa jurídica. De certa maneira, a doutrina de relações públicas faz crer nisso o tempo inteiro quando propõe em organogramas e modelos simplórios a empresa no centro, no modelo de sol, com raios ligando este centro que é a empresa com o resto da sociedade, os stakeholders, fazendo crer que a empresa poderia estrategicamente controlar diversos enunciatários e, com isso, controlar como a sua reputação. Esta é uma crença ingênua. A imagem ou reputação que uma empresa tem na sociedade transcende os seus esforços, a sua iniciativa de controle. Em outras palavras, a imagem ou reputação é um processo social. É um fato social, e que, portanto, tem causas sociais que vão muito além de qualquer esforço ou iniciativa que a pessoa física ou jurídica possa ter para controlá-la. A pessoa física e a jurídica farão de tudo para que se pensem bem dela, porém, este esforço não é suficiente, porque se não fosse suficiente nunca se falaria mal de ninguém. Como se fala mal de todo mundo, o tempo inteiro isto é uma prova indiscutível de que este esforço de autopreservação da imagem é insuficiente para, de certa maneira, definir esta reputação. Nesse sentido, existe o que não poderíamos chamar de processo polifônico, onde a sociedade é um espaço, uma rede de circulação discursiva que se tem por objeto – a sociedade fala sobre tudo e a cada segundo, as idéias e as representações sobre as pessoas e as empresas vão sendo alteradas ininterruptamente por variáveis sofisticadas, complexas e que se complexificam ao infinito e, por isso, vão muito além dessa ou daquela iniciativa.
Existe uma observação do mundo que vai além da estratégia de comunicação. Acredito que, de certa maneira, subestima-se a inteligência do receptor. A Teoria da Comunicação já entendeu que o receptor é inteligente, mas a comunicação aplicada ainda não e acha que as iniciativas de comunicação são superpoderosas e resolvem qualquer problema. Então, os processos são polifônicos e complexos. O que fazem as novas tecnologias? Aceleram o que sempre aconteceu. Novas tecnologias não deram a ninguém inteligência. Novas tecnologias não permitiram enunciação de mensagens que antes não existiam. Não permitiram ao enunciatário decodificar o que não poderiam decodificar. Novas tecnologias aceleraram encontros que sem ela demorariam mais para acontecer. Possibilitaram encontros e, portanto, atos de comunicação. As novas tecnologias mudam a cadência do processo polifônico de definição das reputações. Nesse sentido, é claro que produzem efeito. Com a internet não ficou mais complexo. Continua tudo igual. Só que agora fica mais visível que o objeto da reputação tem pouco controle sobre os processos sociológicos e políticos de definição da imagem que se tem dele. A internet deixa isso mais claro. Fica mais visível que, mais acelerado, escapa ao controle do enunciador a construção da reputação.
O senhor acredita que é possível mensurar os estragos de uma crise nas mídias sociais?
CBF - Isso então é alguma coisa que me causa muita estranheza. O processo de definição de reputações é um processo sociológico e, portanto, em permanente trânsito. De tal maneira que mesmo se você conseguisse quantificar, ele estaria caduco no segundo seguinte, porque a sociedade não pára. As relações não param e, finalmente, o que você conseguiu quantificar estará vencido no segundo seguinte, porque já continuaram falando sobre a sua empresa no segundo seguinte.
A questão da reputação é uma questão que envolve aspectos cognitivos e afetivos. Como é que você vai quantificar a alegria que a marca da Nike produz em quem a contempla por ser consumidor daquela marca? Naturalmente, alguém dirá muito feliz, pouco feliz. Estratégia absolutamente demencial, porque alegria não se divide em quatro ou cinco categorias ou em trinta e cinco, porque os afetos são sempre inéditos. Eles não se repetem e, portanto, não se deixam categorizar. Toda tentativa de circunscrever quantitativamente resultados nesse campo, acaba, de certa maneira, desmerecendo aquilo que é mais importante, que é absolutamente intangível, que é o afeto. É aquilo que você sente muito mais do que aquilo que você tem a dizer. Isto não se deixa limitar a nenhuma estratégia de quantificação. Você pode até quantificar desde que você seja lúcido o suficiente para dizer: olha cada banana é diferente uma da outra. Partindo do pressuposto de que todas as bananas são iguais, é possível contar bananas. Aí, você adota uma cautela e certa humildade diante desta quantificação. Quem quantifica é arrogante, pretensioso. Acha que a verdade é 28,4.
Considerando que não seja possível controlar o que se diz de uma empresa na web, sobretudo, em um cenário de crise, seria então possível gerenciar algumas variáveis? Quais?
CBF - Para responder, preciso conceituar as diferenças entre persuasão e convencimento. Qual é a diferença entre “eu estou persuadido” e “eu estou convencido”? Eu estou persuadido indica que você, solitariamente, contemplou o mundo e acha que o mundo é de certo jeito. “Eu estou convencido” é quando esta pessoa persuasão foi submetida ao crivo do espaço público. Então, eu olhei o mundo e disse qual era o meu ponto de vista. Outros olharam o mesmo mundo e, de certa maneira, chancelaram esta visão. Enquanto no processo de persuasão nós permanecemos na dúvida radical e no subjetivismo absoluto. Quando você tem dez pessoas que olham para a mesma coisa e dizem mais ou menos a mesma coisa é sinal de que há naquele espaço público pontos de tangência. Ou seja, a minha persuasão vai se tornando um convencimento, na medida em que vou tendo a proteção dos pontos de vista de outras pessoas. Então, eu estou convencido de que a ação do profissional de comunicação é a ação no sentido de converter uma persuasão de seu cliente num convencimento. Em outras palavras, para que isso aconteça é preciso que aquele ato de fala não seja entendido como um ato de fala subjetivo, individual. Ele terá mais chance de convencer na medida em que ele estiver sido entendido como alguma coisa, digamos, chancelada pelo espaço público. Toda vez que você sai de um instrumento de persuasão para o convencimento, você descaracteriza o interesse que está por trás de toda a persuasão e você higieniza esse interesse, dando claro que outros disseram a mesma coisa que não tem necessariamente o interesse daquele que fez a primeira observação. Então, é uma passagem de higienização, digamos, do interesse de quem fala. Todo o trabalho de convencimento é um trabalho que tem de aparecer diferente do que é. Ou seja, o trabalho, o discurso será tanto mais convencedor, quanto menos ele parecer fruto do interesse de quem se posiciona persuadido. Todo tipo de consagração será tanto mais eficaz, quanto maior o desinteresse aparente da frase consagradora, do discurso consagrador. De certa maneira, todo o trabalho de persuasão e convencimento é um trabalho de anulação da perspectiva interessada de quem fala em nome de uma suposta verdade, em nome de uma suposta concordância, que na verdade, se pretende fabricar. Mais que supostamente parte de um ponto de partida. No fundo, para convencer, você precisa negar a verdadeira natureza interessada daquela propositura persuadida. O que a internet tem que de certa maneira age sobre este processo? É que a internet fabrica condições semelhantes à Ágora ateniense aonde os discursos circulam de maneira concentrada e muito mais rapidamente. Neste caso, o trabalho de higienização é um trabalho que ,de certa maneira, é facilitado pela rapidez com que os discursos circulam e pelo relativo anonimato dos porta-vozes. O número de discursos e iniciativas discursivas na internet é tão grande que você não sabe mais quem está falando. Este processo é facilitador de ações de comunicação. Você tem uma pluralidade de discursos infinita, uma rapidez de enunciação de discursos infinita e, portanto, uma tendência a estabelecer uma ruptura entre porta-voz e discursos. Como a condição para o convencimento é o desinteresse do porta-voz, eu acho a internet um espaço extremamente interessante de conversão de persuasão em convencimento.
As mídias sociais já conseguem exercer a função de contrapoder ao Estado e organizações?
CBF - A força social de um discurso é inseparável da legitimidade de seu porta-voz. O discurso não vale pelo que é dito, vale por quem diz e pela posição social ocupada por quem diz. Não é possível afirmar se as mídias sociais já têm condições de enfrentamento com o mainstream opinativo das mídias. Não tenho como dizer isso porque, cada caso é um caso, e é preciso ver quem se manifesta e como se manifesta. É provável que uma pessoa que tenha uma ultralegitimidade em uma determinada área, se ela entrar em qualquer mídia de internet, poderá produzir um estrago, um furo numa opinião dominante proposta no sentido contrário. Mas se for um pé –de- chinelo, você pode juntar três mil que não vai acontecer nada. Então não dá para estabelecer uma relação de forças, sem que nós saibamos quais são os agentes sociais envolvidos.
Uma iniciativa de resposta de uma empresa para uma crise, que tenha sido iniciada nas mídias sociais, deve ser conduzida apenas neste ambiente ou deve tratada na grande imprensa?
CBF - As mídias se sobrepõem. Um indivíduo que é internauta, com capacidade de influenciar, também é leitor de jornal de revista. Acho que toda segmentação neste aspecto, de certa maneira, desmente a complexidade do consumo de mídia de um cidadão comum. Cada caso é um caso. Não dá para dizer, fique só na internet. Tem certos assuntos que ficam apenas na internet, outros não. Pode ser uma estratégia muito lúcida trabalhar só a web. Mas tem certos assuntos que transcendem a internet. Podem não ter transcendido ainda, mas pode vir a transcender. Neste caso, a estratégia de centrar fogo na internet não apagará o incêndio de uma notícia no Jornal Nacional. Isto é uma questão de gestão, de recursos escassos. É uma questão de administrar os recursos que você tem.
O senhor acredita que as organizações estão preparadas para atuar nas mídias sociais, na medida em que este ambiente exige maior clareza e verdade delas?
CBF - Não existe clareza e verdade por parte dos comunicadores organizacionais. Qual é a transparência que se deseja? Não é você dizer a verdade sobre os fatos, o que é uma impossibilidade porque os discursos não dão conta do mundo da vida. Mas é você dizer as verdades sobre os desejos. Portanto, não anular os desejos em nome da realidade, mas, de certa maneira, anular a realidade em nome dos desejos. Uma empresa pode ser transparente com o seu consumidor, quando ela diz para ele o que ela pretende da vida, qual é a dela. Tudo menos a responsabilidade social, mas o lucro, o mercado. Isto é a verdadeira transparência, a transparência da libido, das inclinações e dos desejos. O conceito de transparência é importante porque numa ética das relações entre as empresa e seus públicos, você dá ao público a chance de descontinuar a relação. Se você for transparente, você vai mostrar aquilo que você é. E o que você é? Você é desejo, é ambição, é excitação, luta pela glória. Quando você diz ao mundo o que você, verdadeiramente, é você está submetendo a sua libido a uma crença, numa veracidade fática, absolutamente intradutível em discurso.Em relação às ocorrências, só há pontos de vista, não há um relato verdadeiro do mundo. Este é o discurso da transparência número um. O discurso número dois é o oposto. É o discurso do perspectivismo. Não da neutralidade, mas do efeito. Não da imparcialidade, mas da parcialidade. Eu sou parte e você é outra parte. A minha parte quer isso e a sua? No lugar da neutralidade, a eficácia. No lugar da objetividade, a subjetividade. No lugar da verdade, o desejo. E aí você tem uma nova transparência.O que temos, na prática, é o cinismo. É a elaboração de um discurso na contramão do desejo, do que você efetivamente pretende. O cinismo pauta a vida nas corporações.
O que muda, efetivamente, no processo de comunicação de uma empresa com seus públicos de interesse com a web 2.0?
CBF - As empresas adotam uma política de comunicação para cada público. O comunicador organizacional cria versões diferentes do mesmo fato para cada público. O que é que as novas tecnologias estão mexendo? O problema é que os públicos estão interagindo, falando entre si pela web, portanto, de maneira muito mais rápida. É preciso adotar a mesma mensagem para todos. A tecnologia tem uma conseqüência moral que é dificultar cinismo que sempre pautou as estratégias de comunicação.
Conversei com Barros Filho durante quase 1h. Pouco para quem deseja ouvir conteúdo inteligente e com poder transformador. Falamos sobre a ética das empresas no ambiente da web 2.0. Confira na seqüência a entrevista completa.
O senhor entende que uma crise surgida no ambiente das mídias sociais (blogs, comunidades e fóruns) teria o poder de impactar negativamente a imagem e a reputação de uma empresa no mundo offline?
Clóvis de Barros Filho – Uma empresa, tal como uma pessoa, ou uma instituição pública conta com uma representação social, uma idéia de que se tem dela, uma imagem, uma reputação. Em outras palavras, tanto uma pessoa, como uma empresa, não existe por si só. Mas existem muito em função do que se acredita que elas sejam. Tanto as pessoas físicas, quanto as jurídicas lutam muito para aquilo que se pensam dela seja positivo. A importância disso é tão grande, que o Direito protege a imagem e a reputação na sua seara mais legítima que é o direito penal.
Costuma-se refletir sobre o que seria necessário para controlar esta idéia ou imagem da pessoa física ou jurídica. A primeira coisa que vem à mente, é que a própria pessoa física e a jurídica podem lançar mão de ações que, de certa maneira, contribuam para construir uma reputação que se deseja, a crença daquilo que socialmente se pensa de alguém ou uma empresa seja controlável por esta pessoa física ou pessoa jurídica. De certa maneira, a doutrina de relações públicas faz crer nisso o tempo inteiro quando propõe em organogramas e modelos simplórios a empresa no centro, no modelo de sol, com raios ligando este centro que é a empresa com o resto da sociedade, os stakeholders, fazendo crer que a empresa poderia estrategicamente controlar diversos enunciatários e, com isso, controlar como a sua reputação. Esta é uma crença ingênua. A imagem ou reputação que uma empresa tem na sociedade transcende os seus esforços, a sua iniciativa de controle. Em outras palavras, a imagem ou reputação é um processo social. É um fato social, e que, portanto, tem causas sociais que vão muito além de qualquer esforço ou iniciativa que a pessoa física ou jurídica possa ter para controlá-la. A pessoa física e a jurídica farão de tudo para que se pensem bem dela, porém, este esforço não é suficiente, porque se não fosse suficiente nunca se falaria mal de ninguém. Como se fala mal de todo mundo, o tempo inteiro isto é uma prova indiscutível de que este esforço de autopreservação da imagem é insuficiente para, de certa maneira, definir esta reputação. Nesse sentido, existe o que não poderíamos chamar de processo polifônico, onde a sociedade é um espaço, uma rede de circulação discursiva que se tem por objeto – a sociedade fala sobre tudo e a cada segundo, as idéias e as representações sobre as pessoas e as empresas vão sendo alteradas ininterruptamente por variáveis sofisticadas, complexas e que se complexificam ao infinito e, por isso, vão muito além dessa ou daquela iniciativa.
Existe uma observação do mundo que vai além da estratégia de comunicação. Acredito que, de certa maneira, subestima-se a inteligência do receptor. A Teoria da Comunicação já entendeu que o receptor é inteligente, mas a comunicação aplicada ainda não e acha que as iniciativas de comunicação são superpoderosas e resolvem qualquer problema. Então, os processos são polifônicos e complexos. O que fazem as novas tecnologias? Aceleram o que sempre aconteceu. Novas tecnologias não deram a ninguém inteligência. Novas tecnologias não permitiram enunciação de mensagens que antes não existiam. Não permitiram ao enunciatário decodificar o que não poderiam decodificar. Novas tecnologias aceleraram encontros que sem ela demorariam mais para acontecer. Possibilitaram encontros e, portanto, atos de comunicação. As novas tecnologias mudam a cadência do processo polifônico de definição das reputações. Nesse sentido, é claro que produzem efeito. Com a internet não ficou mais complexo. Continua tudo igual. Só que agora fica mais visível que o objeto da reputação tem pouco controle sobre os processos sociológicos e políticos de definição da imagem que se tem dele. A internet deixa isso mais claro. Fica mais visível que, mais acelerado, escapa ao controle do enunciador a construção da reputação.
O senhor acredita que é possível mensurar os estragos de uma crise nas mídias sociais?
CBF - Isso então é alguma coisa que me causa muita estranheza. O processo de definição de reputações é um processo sociológico e, portanto, em permanente trânsito. De tal maneira que mesmo se você conseguisse quantificar, ele estaria caduco no segundo seguinte, porque a sociedade não pára. As relações não param e, finalmente, o que você conseguiu quantificar estará vencido no segundo seguinte, porque já continuaram falando sobre a sua empresa no segundo seguinte.
A questão da reputação é uma questão que envolve aspectos cognitivos e afetivos. Como é que você vai quantificar a alegria que a marca da Nike produz em quem a contempla por ser consumidor daquela marca? Naturalmente, alguém dirá muito feliz, pouco feliz. Estratégia absolutamente demencial, porque alegria não se divide em quatro ou cinco categorias ou em trinta e cinco, porque os afetos são sempre inéditos. Eles não se repetem e, portanto, não se deixam categorizar. Toda tentativa de circunscrever quantitativamente resultados nesse campo, acaba, de certa maneira, desmerecendo aquilo que é mais importante, que é absolutamente intangível, que é o afeto. É aquilo que você sente muito mais do que aquilo que você tem a dizer. Isto não se deixa limitar a nenhuma estratégia de quantificação. Você pode até quantificar desde que você seja lúcido o suficiente para dizer: olha cada banana é diferente uma da outra. Partindo do pressuposto de que todas as bananas são iguais, é possível contar bananas. Aí, você adota uma cautela e certa humildade diante desta quantificação. Quem quantifica é arrogante, pretensioso. Acha que a verdade é 28,4.
Considerando que não seja possível controlar o que se diz de uma empresa na web, sobretudo, em um cenário de crise, seria então possível gerenciar algumas variáveis? Quais?
CBF - Para responder, preciso conceituar as diferenças entre persuasão e convencimento. Qual é a diferença entre “eu estou persuadido” e “eu estou convencido”? Eu estou persuadido indica que você, solitariamente, contemplou o mundo e acha que o mundo é de certo jeito. “Eu estou convencido” é quando esta pessoa persuasão foi submetida ao crivo do espaço público. Então, eu olhei o mundo e disse qual era o meu ponto de vista. Outros olharam o mesmo mundo e, de certa maneira, chancelaram esta visão. Enquanto no processo de persuasão nós permanecemos na dúvida radical e no subjetivismo absoluto. Quando você tem dez pessoas que olham para a mesma coisa e dizem mais ou menos a mesma coisa é sinal de que há naquele espaço público pontos de tangência. Ou seja, a minha persuasão vai se tornando um convencimento, na medida em que vou tendo a proteção dos pontos de vista de outras pessoas. Então, eu estou convencido de que a ação do profissional de comunicação é a ação no sentido de converter uma persuasão de seu cliente num convencimento. Em outras palavras, para que isso aconteça é preciso que aquele ato de fala não seja entendido como um ato de fala subjetivo, individual. Ele terá mais chance de convencer na medida em que ele estiver sido entendido como alguma coisa, digamos, chancelada pelo espaço público. Toda vez que você sai de um instrumento de persuasão para o convencimento, você descaracteriza o interesse que está por trás de toda a persuasão e você higieniza esse interesse, dando claro que outros disseram a mesma coisa que não tem necessariamente o interesse daquele que fez a primeira observação. Então, é uma passagem de higienização, digamos, do interesse de quem fala. Todo o trabalho de convencimento é um trabalho que tem de aparecer diferente do que é. Ou seja, o trabalho, o discurso será tanto mais convencedor, quanto menos ele parecer fruto do interesse de quem se posiciona persuadido. Todo tipo de consagração será tanto mais eficaz, quanto maior o desinteresse aparente da frase consagradora, do discurso consagrador. De certa maneira, todo o trabalho de persuasão e convencimento é um trabalho de anulação da perspectiva interessada de quem fala em nome de uma suposta verdade, em nome de uma suposta concordância, que na verdade, se pretende fabricar. Mais que supostamente parte de um ponto de partida. No fundo, para convencer, você precisa negar a verdadeira natureza interessada daquela propositura persuadida. O que a internet tem que de certa maneira age sobre este processo? É que a internet fabrica condições semelhantes à Ágora ateniense aonde os discursos circulam de maneira concentrada e muito mais rapidamente. Neste caso, o trabalho de higienização é um trabalho que ,de certa maneira, é facilitado pela rapidez com que os discursos circulam e pelo relativo anonimato dos porta-vozes. O número de discursos e iniciativas discursivas na internet é tão grande que você não sabe mais quem está falando. Este processo é facilitador de ações de comunicação. Você tem uma pluralidade de discursos infinita, uma rapidez de enunciação de discursos infinita e, portanto, uma tendência a estabelecer uma ruptura entre porta-voz e discursos. Como a condição para o convencimento é o desinteresse do porta-voz, eu acho a internet um espaço extremamente interessante de conversão de persuasão em convencimento.
As mídias sociais já conseguem exercer a função de contrapoder ao Estado e organizações?
CBF - A força social de um discurso é inseparável da legitimidade de seu porta-voz. O discurso não vale pelo que é dito, vale por quem diz e pela posição social ocupada por quem diz. Não é possível afirmar se as mídias sociais já têm condições de enfrentamento com o mainstream opinativo das mídias. Não tenho como dizer isso porque, cada caso é um caso, e é preciso ver quem se manifesta e como se manifesta. É provável que uma pessoa que tenha uma ultralegitimidade em uma determinada área, se ela entrar em qualquer mídia de internet, poderá produzir um estrago, um furo numa opinião dominante proposta no sentido contrário. Mas se for um pé –de- chinelo, você pode juntar três mil que não vai acontecer nada. Então não dá para estabelecer uma relação de forças, sem que nós saibamos quais são os agentes sociais envolvidos.
Uma iniciativa de resposta de uma empresa para uma crise, que tenha sido iniciada nas mídias sociais, deve ser conduzida apenas neste ambiente ou deve tratada na grande imprensa?
CBF - As mídias se sobrepõem. Um indivíduo que é internauta, com capacidade de influenciar, também é leitor de jornal de revista. Acho que toda segmentação neste aspecto, de certa maneira, desmente a complexidade do consumo de mídia de um cidadão comum. Cada caso é um caso. Não dá para dizer, fique só na internet. Tem certos assuntos que ficam apenas na internet, outros não. Pode ser uma estratégia muito lúcida trabalhar só a web. Mas tem certos assuntos que transcendem a internet. Podem não ter transcendido ainda, mas pode vir a transcender. Neste caso, a estratégia de centrar fogo na internet não apagará o incêndio de uma notícia no Jornal Nacional. Isto é uma questão de gestão, de recursos escassos. É uma questão de administrar os recursos que você tem.
O senhor acredita que as organizações estão preparadas para atuar nas mídias sociais, na medida em que este ambiente exige maior clareza e verdade delas?
CBF - Não existe clareza e verdade por parte dos comunicadores organizacionais. Qual é a transparência que se deseja? Não é você dizer a verdade sobre os fatos, o que é uma impossibilidade porque os discursos não dão conta do mundo da vida. Mas é você dizer as verdades sobre os desejos. Portanto, não anular os desejos em nome da realidade, mas, de certa maneira, anular a realidade em nome dos desejos. Uma empresa pode ser transparente com o seu consumidor, quando ela diz para ele o que ela pretende da vida, qual é a dela. Tudo menos a responsabilidade social, mas o lucro, o mercado. Isto é a verdadeira transparência, a transparência da libido, das inclinações e dos desejos. O conceito de transparência é importante porque numa ética das relações entre as empresa e seus públicos, você dá ao público a chance de descontinuar a relação. Se você for transparente, você vai mostrar aquilo que você é. E o que você é? Você é desejo, é ambição, é excitação, luta pela glória. Quando você diz ao mundo o que você, verdadeiramente, é você está submetendo a sua libido a uma crença, numa veracidade fática, absolutamente intradutível em discurso.Em relação às ocorrências, só há pontos de vista, não há um relato verdadeiro do mundo. Este é o discurso da transparência número um. O discurso número dois é o oposto. É o discurso do perspectivismo. Não da neutralidade, mas do efeito. Não da imparcialidade, mas da parcialidade. Eu sou parte e você é outra parte. A minha parte quer isso e a sua? No lugar da neutralidade, a eficácia. No lugar da objetividade, a subjetividade. No lugar da verdade, o desejo. E aí você tem uma nova transparência.O que temos, na prática, é o cinismo. É a elaboração de um discurso na contramão do desejo, do que você efetivamente pretende. O cinismo pauta a vida nas corporações.
O que muda, efetivamente, no processo de comunicação de uma empresa com seus públicos de interesse com a web 2.0?
CBF - As empresas adotam uma política de comunicação para cada público. O comunicador organizacional cria versões diferentes do mesmo fato para cada público. O que é que as novas tecnologias estão mexendo? O problema é que os públicos estão interagindo, falando entre si pela web, portanto, de maneira muito mais rápida. É preciso adotar a mesma mensagem para todos. A tecnologia tem uma conseqüência moral que é dificultar cinismo que sempre pautou as estratégias de comunicação.
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